
O umu, forno subterrâneo tradicional das ilhas do Pacífico, representa muito mais que uma simples técnica culinária. Esta tecnologia ancestral, que atravessou milénios de história, constitui um elemento central da identidade cultural dos povos do Pacífico e um testemunho da sua extraordinária capacidade de adaptação a ambientes insulares diversos. Num mundo onde a globalização e a ocidentalização transformaram radicalmente os hábitos alimentares das comunidades insulares, o umu permanece como um dos últimos vestígios de um modo de vida tradicional, reforçando os laços sociais através da celebração, dos festins e da comensalidade.
A génese de uma tecnologia adaptada ao ambiente insular
A história do umu remonta às primeiras migrações humanas para as ilhas do Pacífico, há milhares de anos. Quando os ancestrais dos atuais povos do Pacífico se estabeleceram nas ilhas, trouxeram consigo plantas alimentares e animais da Ásia, mas tiveram de adaptar as suas técnicas culinárias às novas condições ambientais. Embora os Lapita, uma das primeiras culturas a desenvolver-se na região, fossem conhecidos pela sua cerâmica, a cultura do pote acabou por declinar em favor do forno subterrâneo.
Esta transição não foi acidental. O umu surgiu como uma resposta engenhosa às limitações do ambiente insular. Nas pequenas ilhas e atóis, onde a argila para fabricar potes era escassa ou inexistente, o forno subterrâneo oferecia uma alternativa viável. Além disso, esta técnica apresentava vantagens significativas: permitia cozinhar grandes quantidades de alimentos de uma só vez, economizava combustível e concentrava o sabor dos alimentos, um fator determinante na evolução da culinária insular.
A eficiência do umu como tecnologia adaptada ao ambiente tropical é notável. Ao contrário da cozedura em panela, que requer água doce (um recurso limitado em muitas ilhas), o umu preserva os sabores naturais dos alimentos. Os tubérculos amiláceos como o taro, o inhame, a fruta-pão e, mais tarde, a batata-doce e a mandioca, cozinham perfeitamente neste forno, que utiliza pedras aquecidas ao fogo para cozinhar os alimentos embrulhados em folhas.
Diversidade regional numa técnica universal
Apesar da sua presença universal nas três principais zonas demográficas do Pacífico – Polinésia, Micronésia e Melanésia – o umu apresenta variações regionais que atestam a sua adaptabilidade a diferentes contextos ambientais e culturais. Conhecido por diversos nomes – imu no Havai, mumu na Papua Nova Guiné, umu em Samoa, lovo nas Fiji, motu nas Ilhas Salomão, koua em Rotuma, hangi na Nova Zelândia, ahima’a ou hima’a no Tahiti, e bougna na Nova Caledónia – este forno subterrâneo mantém os seus princípios básicos em toda a região.
As variações locais refletem a disponibilidade de materiais e as preferências culinárias de cada comunidade. O hangi maori tende a ser mais profundo que outras versões; os umu dos atóis dependem das cascas de coco e de qualquer combustível seco disponível, enquanto na Papua Nova Guiné há abundância de madeira de qualidade. Na Nova Caledónia, o bougna refere-se não apenas ao forno, mas também à forma como os alimentos são preparados: uma mistura de taro, inhame, batata-doce, banana, frango, peixe, caranguejo ou lagosta, e leite de coco é embrulhada em folhas de bananeira e atada com folhas de palmeira, formando um grande embrulho que é depois cozido em brasas quentes ou num umu pouco profundo.
Estas diferenças regionais também se manifestam nas preferências de sabor. Os polinésios da parte oriental do Pacífico, por exemplo, não apreciam particularmente o bougna da Nova Caledónia, pois consideram que a mistura de alimentos funde demasiado os sabores, preferindo embrulhar cada ingrediente separadamente ou mantê-los separados nos seus próprios cestos de coco ou embrulhos de folha de bananeira.
O umu como evento social e cultural
O umu transcende a sua função utilitária para se tornar um evento social e cultural de importância crucial. A preparação de um umu envolve toda a comunidade: o aprovisionamento de alimentos, a escavação do buraco, a recolha de combustível e pedras adequadas, a colheita de folhas para embrulhar os alimentos, a preparação dos pratos e a montagem do forno. Esta dimensão coletiva transforma o umu numa expressão tangível dos valores comunitários e familiares.
A ligação entre o trabalho e o prazer é fundamental na experiência do umu. O prazer da refeição é parcialmente determinado pelo esforço investido na sua preparação. O significado cultural do forno subterrâneo e dos termos que o designam sugere mais do que um simples forno – os umu são claramente eventos. Em Tonga, a palavra para umu é ngaua, que significa “um forno de comida”, mas traduzida literalmente, ngaua significa “trabalho”, sublinhando a dimensão laboriosa desta prática.
A importância social e cultural do umu é tão profunda que continua a desempenhar um papel crucial na manutenção da coesão entre as comunidades de ilhéus do Pacífico em toda a região. Para os polinésios migrantes que vivem na Nova Zelândia, por exemplo, sejam eles de Tonga, Samoa, Tokelau ou das Ilhas Cook, os umu comunitários regulares fazem parte das atividades comunitárias de cada cultura, estabelecendo uma ponte entre o lugar e a identidade.
Adaptação e resistência num mundo em mudança
Num contexto de rápidas transformações sociais e culturais, o umu demonstra uma notável capacidade de adaptação e resistência. Embora as técnicas tradicionais sobrevivam, particularmente em áreas remotas, no campo e nas ilhas e atóis periféricos, nas áreas mais urbanizadas, a culinária tradicional ocorre principalmente por costume, enquanto novos estilos de cozinha proliferam.
A modernização trouxe alterações significativas às práticas culinárias. Hoje, o embrulho dos alimentos adquiriu um toque moderno, com o cozinheiro contemporâneo a utilizar papel de alumínio em vez de folhas de bananeira. O umu também se tornou uma ocasião improvisada no contexto atual, com cestos de arame e caixas metálicas a substituírem frequentemente os materiais tradicionais. Qualquer pessoa que utilize paus de fogo para acender o fogo só o faria se não houvesse outros meios disponíveis, mas fósforos e isqueiros são tão comuns que relegaram a antiga habilidade para outra era.
Apesar destas adaptações, o umu mantém a sua importância cultural. Num mundo pós-colonial, onde o termo “ilhéus” inclui pessoas de origens culturais diversas, incluindo indianos, chineses, japoneses, coreanos, franceses, australasianos, americanos e filipinos, o umu permanece como um símbolo de identidade cultural. Versões hibridizadas de pratos ocidentais e pratos que são produto de várias tradições étnicas coexistem lado a lado com a cultura alimentar dos ilhéus, que, por sua vez, foi moldada pelos alimentos e hábitos alimentares de numerosas outras culturas.
O umu na era do turismo e da globalização
A indústria do turismo, tão simbólica do poder técnico, económico e social que a cultura ocidental desencadeou na região, tem sido simultaneamente uma das fontes de receita mais importantes e relativamente estáveis para as comunidades insulares. Paradoxalmente, o turismo criou nos últimos anos uma procura de produtos locais, alimentos orgânicos e ingredientes frescos de todos os tipos, impulsionada por consumidores ecológicos e ecoturistas que valorizam o ambiente, a saúde e experiências autênticas.
Para o visitante ou turista, o aparente fornecimento abundante de leite de coco fresco, marisco e frutas tropicais, o uso ritual do forno subterrâneo e os festins comunitários conviviais que muitas vezes ocorrem contra o cenário brilhante de um pôr-do-sol tropical, mantêm viva a imagem da hospitalidade tradicional. Hoje, há um sentido palpável de vida casual para qualquer pessoa que visite as ilhas, uma atitude descontraída que tem tanto a ver com o clima tropical como com a abordagem tradicionalmente pouco ambiciosa à vida adotada pelos ilhéus.
No entanto, esta apropriação turística do umu e da cultura alimentar das ilhas do Pacífico nem sempre reflete a autenticidade das práticas tradicionais. Valores como autenticidade, tradição e património podem ser facilmente expressos como uma experiência alimentar exotizada, representada em parte por versões diluídas de pratos que satisfazem o desejo dos turistas por uma suposta experiência insular real, mas que divergem quase inteiramente de qualquer cozinha insular real.
O umu como símbolo de resistência cultural
O que permanece extraordinário é que os principais grupos culturais – Micronesiano, Polinésio e Melanésio – ainda mantêm alguns dos elementos essenciais das suas tradições alimentares: os próprios alimentos, combinações específicas de ingredientes, técnicas culinárias, práticas alimentares, termos e expressões relacionados com a alimentação e, mais importante, rituais e simbolismo alimentares.
Entre os mais significativos destes elementos estão as múltiplas aplicações do coco (noz e palma), os festins rituais e o seu significado social, e a expressão dos laços familiares e relacionamentos comunicados através de práticas alimentares, incluindo o consumo, e o valor simbólico altamente significativo atribuído a culturas vegetais amiláceas como o taro, a batata-doce e a fruta-pão.
Embora estes alimentos tradicionalmente de alto estatuto sejam consumidos cada vez menos frequentemente como alimento diário, e atualmente sejam mais caros do que substitutos como a mandioca, o arroz ou os noodles, os alimentos amiláceos tradicionais ainda são obrigatórios em eventos especiais e coletivamente tidos em alta estima. A razão desta resiliência cultural contra a pressão para mudar é um tema na cultura alimentar do Pacífico. Apesar de serem pequenos e, portanto, oásis vulneráveis de humanidade, tendo experimentado enormes convulsões culturais, perda de vidas, enormes pressões económicas, o advento da economia monetária, do agronegócio e a consequente rutura das economias alimentares das aldeias e a urbanização, as crenças e valores tradicionais relativos à alimentação ainda importam para os ilhéus porque representam o seu sentido de identidade. A alimentação permanece manifestamente expressiva das suas visões mais profundamente mantidas sobre a vida, a família, os amigos e os vizinhos.
A cozinha do Pacífico de hoje é uma expressão complexa da mistura contínua de adaptações locais, regionais e globais, e entre valores tradicionais e contemporâneos em mudança. Neste contexto, o umu permanece como um símbolo poderoso da resiliência cultural e da capacidade de adaptação dos povos do Pacífico, um testemunho da sua profunda ligação com a terra, o mar e as suas tradições ancestrais.
