Quem inventou o macarrão?

Duas figuras compostas por mntes de esparguete dispostas em imagem dividida na direita vermelho e na esquerda verde, numa clara separação

A história do macarrão, um dos alimentos mais associados à identidade cultural italiana, está envolvida em debates e mitos que atravessam séculos. Embora seja frequentemente considerado um produto exclusivamente italiano, a sua origem é mais complexa e remonta a trocas culturais e influências de diferentes civilizações. Desde as primeiras menções a massas na Antiguidade até à sua consolidação como um pilar da gastronomia italiana, o percurso do macarrão é um exemplo de como a alimentação reflete a evolução histórica e social das sociedades.

A ideia de que Marco Polo trouxe o macarrão da China para Itália no século XIII é uma das narrativas mais difundidas, mas também uma das mais imprecisas. Este mito, que se popularizou devido a uma má interpretação dos relatos de Polo, sugere que o explorador teria descoberto algo completamente novo durante as suas viagens. No entanto, o próprio texto de Marco Polo refere que os chineses possuíam massas “semelhantes às nossas”, o que indica que o conceito de macarrão já existia na Europa antes do seu regresso.

Na verdade, há evidências de que os italianos produziam e consumiam massas muito antes do século XIII. Registos históricos apontam para a presença de lasanha na Roma Antiga, mencionada em textos como o livro de receitas de Apício, datado do século I. Além disso, objetos encontrados em túmulos etruscos, como ferramentas que poderiam ter sido usadas para moldar massas, sugerem que a prática de preparar alimentos semelhantes ao macarrão pode remontar a pelo menos 500 anos antes da era cristã.

Por outro lado, a China também tem uma longa tradição de massas, com registos que datam de mais de 4.000 anos. A descoberta de noodles preservados em Lajia, um local arqueológico chinês, reforça a ideia de que diferentes culturas desenvolveram, de forma independente, variações de alimentos à base de farinha e água. Contudo, a questão não é apenas quem inventou o macarrão, mas como ele evoluiu e se tornou um símbolo cultural tão forte em Itália.

A consolidação do macarrão como um alimento essencial na Itália deve-se, em grande parte, às mudanças económicas e culturais que ocorreram durante o Renascimento. No século XVI, a perda do monopólio do comércio de especiarias, anteriormente dominado por cidades italianas como Veneza, levou a uma transformação na gastronomia local. Os cozinheiros italianos, confrontados com o aumento do custo das especiarias, começaram a valorizar ingredientes locais e a simplificar os pratos, dando origem à chamada “Nuova Cucina”.

Foi neste contexto que o macarrão ganhou destaque. A sua simplicidade, combinada com a versatilidade de molhos à base de azeite, tomate (introduzido na Europa após a descoberta das Américas) e ervas aromáticas, tornou-o um alimento acessível e adaptável às diferentes regiões italianas. Por volta do século XVIII, o macarrão já era amplamente consumido, especialmente no sul de Itália, onde a produção de trigo duro favorecia a sua fabricação.

Uma curiosidade interessante é que, durante o Grand Tour, uma viagem educativa realizada por jovens aristocratas europeus no século XVIII, o macarrão tornou-se um dos alimentos mais comentados pelos viajantes. Muitos destes turistas, habituados a dietas mais pesadas e condimentadas, ficavam intrigados com a leveza e a simplicidade dos pratos italianos. Alguns até adotaram o termo “macaroni” como uma forma de se identificarem com a sofisticação cultural adquirida durante as suas viagens, o que contribuiu para a disseminação do macarrão como um símbolo da Itália.

Embora o macarrão seja hoje inseparável da identidade italiana, a sua história é um exemplo de como a alimentação é moldada por trocas culturais. A introdução de técnicas de secagem e armazenamento, fundamentais para a popularização do macarrão, pode ter sido influenciada pelos árabes, que já produziam massas secas no século IX. Estas técnicas permitiram que o macarrão se tornasse um alimento prático para viagens e comércio, contribuindo para a sua disseminação em toda a Península Itálica.

Além disso, a própria palavra “macarrão” tem raízes etimológicas que refletem esta diversidade de influências. Derivada do termo italiano “maccheroni”, acredita-se que a palavra possa ter origem no grego “makaria”, que designava um tipo de caldo de cevada. Esta ligação linguística sugere que o conceito de massas pode ter viajado através do Mediterrâneo, adaptando-se às tradições locais ao longo do tempo.

A evolução do macarrão também está intimamente ligada à inovação tecnológica. Durante a Revolução Industrial, a invenção de máquinas para a produção em massa de macarrão permitiu que este alimento se tornasse ainda mais acessível. A partir do século XIX, o macarrão começou a ser exportado para outros continentes, acompanhando os fluxos migratórios italianos e conquistando novos públicos.

Assim, o macarrão não é apenas um produto de uma única cultura ou época, mas o resultado de séculos de intercâmbio e adaptação. A sua transformação de um alimento simples em um símbolo da culinária italiana é um testemunho da capacidade humana de inovar e integrar influências externas, criando algo único e duradouro.

Literatura recomendada
Montanari, Massimo, Italian Cuisine: A Cultural History, Columbia University Press, 2003.
Serventi, Silvano, Pasta: The Story of a Universal Food, Abbeville Press, 1988.
Dickie, John, Delizia! The Epic History of the Italians and Their Food, Harper, 2011.

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