Ovos Benedict: uma história


No final do século XIX, enquanto a alta sociedade nova-iorquina desfrutava de refeições opulentas em estabelecimentos como o Waldorf e o Delmonico’s, um prato aparentemente simples começou a conquistar as mesas da elite: ovos escalfados sobre torrada ou muffin inglês, cobertos com presunto e molho holandês. O que hoje conhecemos como ovos Benedict tornou-se não apenas um símbolo de sofisticação culinária, mas também o centro de uma controvérsia histórica que perdura há mais de um século. Quem foi, afinal, o verdadeiro Benedict que deu nome a esta iguaria? A resposta renvolve socialites, maîtres d’hôtel, e uma intrigante teia de relatos contraditórios que nos transportam para a Era Dourada americana.

A história dos ovos Benedict começa, curiosamente, não num livro de receitas, mas numa obra de ficção. Em janeiro de 1894, o escritor britânico expatriado Horace Annesley Vachell publicou um conto intitulado “The Rich Fool and the Clever Pauper” na revista literária californiana Overland Monthly. No texto, um personagem chamado Jimmy, o “tolo rico”, desfruta de um almoço sofisticado que inclui “ovos à la Benedict” no University Club de São Francisco.

Esta referência literária é significativa por dois motivos: primeiro, estabelece que o prato já era conhecido em círculos exclusivos da costa oeste americana em 1894; segundo, sugere que a sua origem deve ser anterior a esta data, contrariando algumas das narrativas mais populares sobre a sua criação.

“Após o almoço, que incluía uma notável geleia de Maraschino, Jimmy anunciou a sua intenção de dar um passeio sozinho”, escreveu Vachell, colocando os ovos Benedict entre as iguarias reconhecidamente luxuosas da época, como as ostras Blue Point e conservas finas.

Esta menção casual num texto de ficção levanta uma questão: como poderia um prato supostamente inventado em Nova Iorque já ser suficientemente conhecido para aparecer num conto ambientado em São Francisco? A resposta pode estar nas três narrativas concorrentes que reivindicam a paternidade deste prato emblemático.

A versão mais difundida sobre a origem dos ovos Benedict surge de um artigo publicado na revista The New Yorker em 1942, dois anos antes da morte do seu suposto criador, Lemuel Benedict. Segundo o seu próprio relato ao repórter, este corretor da bolsa e socialite nova-iorquino inventou o prato 48 anos antes, quando, sofrendo de uma ressaca, entrou no hotel Waldorf e pediu “torradas amanteigadas, bacon crocante, dois ovos escalfados e um pouco de molho holandês”.

O maître d’hôtel do Waldorf, Oscar Tschirky (conhecido simplesmente como “Oscar”), ficou tão impressionado com a combinação que a adaptou para o menu do hotel, substituindo a torrada por muffins ingleses e o bacon por presunto. Este Oscar, curiosamente, havia trabalhado anteriormente no Delmonico’s, estabelecendo uma ligação entre as duas casas mais frequentemente associadas à origem do prato.

A cronologia apresentada por Lemuel situa a criação por volta de 1894, o que coincide com a abertura do hotel Waldorf em 1893. No entanto, é curioso notar que o livro de receitas publicado por Oscar em 1896, The Cook Book by Oscar of the Waldorf, não inclui qualquer menção aos ovos Benedict, o que levanta dúvidas sobre a veracidade desta versão.

Uma segunda narrativa emerge em 1967, quando o editor de gastronomia do New York Times, Craig Claiborne, publicou uma coluna sobre o tema. Claiborne recebeu de um leitor em Paris uma versão da receita, acompanhada da história de que este a obtivera da sua mãe, que por sua vez a recebera do seu irmão, amigo do verdadeiro inventor: o Comodoro E.C. Benedict.

E.C. Benedict era, tal como Lemuel, um corretor da bolsa nova-iorquina, mas também um navegador e financeiro proeminente que se movia nos mesmos círculos sociais da elite de Manhattan nos anos 1890. A receita atribuída a ele, curiosamente, diferia da versão atual, utilizando um ovo cozido em vez de escalfado.

Quem foi este Comodoro Benedict? Edward Commodore Benedict foi uma figura de relevo na sociedade nova-iorquina, amigo pessoal do presidente Grover Cleveland e proprietário de um iate luxuoso onde frequentemente recebia a elite social e política. A sua posição e influência tornam plausível que um prato criado ou popularizado por ele pudesse rapidamente ganhar notoriedade nos círculos exclusivos de ambas as costas americanas.

A terceira reivindicação surge como resposta à coluna de Claiborne, através de uma carta enviada ao New York Times por Mabel C. Butler. Segundo a tradição familiar de Butler, a verdadeira criadora seria Mrs. Le Grand Benedict, uma parente do Comodoro, que frequentava regularmente o Delmonico’s para o brunch de sábado.

De acordo com este relato, Mrs. Benedict, cansada do menu habitual, pediu ao maître que lhe preparasse algo diferente. A sua sugestão resultou essencialmente no prato que conhecemos hoje, acrescido de trufas como toque final de luxo. Esta versão foi posteriormente consagrada num artigo da Bon Appétit em 1978, intitulado “Perfect Eggs Benedict”.

Investigações posteriores revelam que Mrs. Le Grand Benedict era, na realidade, Emma Frances Gardner Le Grand Benedict, uma mulher educada, escritora e jornalista que, em 1887, publicou memórias sobre o seu tempo na frente da Guerra Civil Americana, quando era recém-casada. Este perfil de mulher culta e independente torna particularmente interessante a possibilidade de ela ser a verdadeira criadora do prato, especialmente considerando que o Delmonico’s foi o primeiro restaurante de prestígio a permitir que mulheres jantassem sozinhas.

Independentemente de quem tenha sido o verdadeiro Benedict, o prato rapidamente se estabeleceu como um elemento fixo na gastronomia americana de elite. A primeira receita escrita aparece em fevereiro de 1897 na revista Table Talk, redigida por Cornelia C. Bedford, antiga diretora da Escola de Culinária de Nova Iorque, em resposta a um pedido de um leitor de Savannah, Geórgia.

Esta primeira receita publicada pedia torrada como base, enquanto a segunda, no livro Eggs and How to Use Them do chef de hotel Adolphe Meyer em 1898, já especificava o uso de muffin. É interessante notar que, na época, o “muffin inglês” era simplesmente chamado de “muffin” – Samuel Bath Thomas ainda não tinha popularizado o termo “English muffin” como marca registada. Thomas, um inglês em Nova Iorque, abriu a sua padaria na Ninth Avenue em Manhattan em 1880, e a sua expansão é hoje um condomínio chamado Muffin House.

A transição do presunto para o bacon ocorreu mais tarde, possivelmente após o cientista alimentar e executivo da McDonald’s, Herbert Ralph Peterson, inventar o Egg McMuffin em 1972 – ironicamente, transformando um prato da Era Dourada numa opção de fast-food acessível às massas.

Como Claiborne observou na sua coluna de 1967, “Ovos Benedict é concebivelmente o prato mais sofisticado já criado na América”. Esta sofisticação perdura até hoje, mantendo o prato como um elemento permanente nos menus de brunch de restaurantes por todo o mundo.

A ausência dos ovos Benedict no livro The Epicurean de Charles Ranhofer, o livro de receitas do Delmonico’s publicado em 1894 com 1.183 páginas que documenta praticamente todas as receitas servidas no restaurante, é particularmente intrigante. A receita só foi adicionada na segunda edição de 1912, como “Ovos à la Benedick” (com k), o que complica ainda mais a determinação da sua verdadeira origem.

Talvez o mais significativo não seja determinar qual Benedict deu nome ao prato, mas reconhecer o que ele representa: uma criação luxuosa concebida para pessoas abastadas, cujos mitos de origem apenas reforçam a sua exclusividade – um pedido especial, fora do menu, feito para satisfazer o capricho de um nome importante da sociedade.

Hoje, enquanto saboreamos este prato num brunch de domingo, participamos numa tradição culinária que nos liga diretamente à alta sociedade nova-iorquina do final do século XIX. Seja qual for o Benedict que lhe deu o nome, o prato permanece como um testemunho da permanência de certas tradições gastronómicas e da sua capacidade de se adaptarem e evoluírem ao longo do tempo, mantendo sempre um certo ar de sofisticação.

Literatura recomendada
Claiborne, Craig. The New York Times Cookbook. Harper & Row, 1961.
Shapiro, Laura. Perfection Salad: Women and Cooking at the Turn of the Century. University of California Press, 2008.
Veit, Helen Zoe. Food in the Gilded Age: What Ordinary Americans Ate. Rowman & Littlefield, 2015.

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