Os banquetes régios de Filipe II

Grande plano de uma mesa de banquete, composta com diversa comida em travessas num arranjo opulento, por tras das quais o rei preside à cerimónia

A corte Felipe II, de monarca que governou a Espanha durante grande parte do século XVI, era um reflexo da opulência e do poder do império espanhol. Os banquetes organizados para o rei e sua comitiva não eram apenas momentos de celebração, mas também demonstrações de prestígio político e cultural. A mesa régia, cuidadosamente preparada, revelava não só os gostos pessoais do soberano, mas também as influências gastronómicas da época, marcadas pela diversidade de produtos e pela sofisticação na apresentação.

Os banquetes de Felipe II seguiam uma organização rigorosa, onde a hierarquia social era refletida na disposição dos pratos e na ordem em que eram servidos. O rei e os membros mais próximos da família real, como o príncipe herdeiro e a infanta, ocupavam lugares de destaque, recebendo os pratos mais elaborados e exclusivos. A mesa do monarca, por exemplo, incluía iguarias como francolins assados, leitões e capões, acompanhados de sobremesas requintadas, como marmelada, geleia de romã e amêndoas açucaradas.

Os convidados de menor estatuto, como os majordomos e os assistentes da corte, tinham acesso a pratos mais simples, embora ainda abundantes e cuidadosamente preparados. Esta divisão não era apenas uma questão de protocolo, mas também uma forma de reforçar a ordem social e a autoridade do rei. A comida, assim, tornava-se um símbolo de poder, onde cada prato servido refletia o lugar de cada indivíduo na complexa teia da corte.

A gastronomia da corte espanhola no século XVI era marcada por uma impressionante diversidade de sabores, resultado das influências culturais que atravessavam o vasto império espanhol. Os banquetes de Felipe II incluíam uma combinação de pratos tradicionais da Península Ibérica e elementos importados de outras regiões da Europa e do Novo Mundo.

Os primeiros pratos frequentemente apresentavam frutas frescas e secas, como uvas, melões, laranjas doces e romãs, que não só abriam o apetite, mas também exibiam a riqueza agrícola do reino. Sopas e caldos, como o blancmange, eram servidos em seguida, muitas vezes acompanhados de carnes cozidas ou assadas, como cabrito, vitela e carneiro.

O marisco também desempenhava um papel importante, com pratos de trutas e outros peixes preparados de forma elaborada, muitas vezes com molhos ricos e temperos exóticos. A introdução de produtos vindos das Américas, como o tomate e o cacau, começava a influenciar a cozinha espanhola, embora ainda de forma tímida.

As sobremesas, por sua vez, eram um espetáculo à parte. Doces como nougats, biscoitos e frutas cristalizadas eram apresentados com um cuidado estético que refletia o gosto renascentista pela harmonia e pela beleza. O uso de especiarias, como canela e cravo, conferia um toque de exotismo às preparações, enquanto que queijos como o Tronchon completavam o banquete com um sabor mais robusto.

Os banquetes de Felipe II não eram apenas momentos de indulgência gastronómica, mas também ocasiões de grande significado simbólico. A disposição dos pratos e a sequência em que eram servidos seguiam princípios dietéticos e estéticos que remontavam à Idade Média, mas que, no Renascimento, começaram a ser reinterpretados sob uma perspetiva mais gastronómica.

A separação entre pratos salgados e doces, por exemplo, era uma prática que começava a ganhar força, refletindo uma preocupação crescente com a harmonia dos sabores. Além disso, a escolha dos vinhos para acompanhar cada prato era cuidadosamente pensada, com uma atenção especial à sua capacidade de complementar os sabores dos alimentos.

A etiqueta à mesa também desempenhava um papel crucial. Cada gesto, desde a forma como os pratos eram apresentados até a maneira como os convidados se comportavam, era cuidadosamente coreografado para transmitir uma imagem de ordem e refinamento. O serviço à francesa, onde os pratos eram dispostos simultaneamente na mesa, permitia aos convidados escolherem o que desejavam, mas também exigia um elevado nível de coordenação por parte dos criados.

Os banquetes de Felipe II, assim, não eram apenas refeições, mas verdadeiros espetáculos de poder e cultura, onde cada detalhe, desde os ingredientes até a apresentação, contribuía para reforçar a imagem do rei como o centro de um império vasto e próspero.

Literatura recomendada
Braudel, Fernand, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II, Martins Fontes, 1997.
Domingues, Francisco Contente, História da Vida Privada em Portugal: A Idade Moderna, Círculo de Leitores, 2011.
Montanari, Massimo, História da Alimentação, Estampa, 1998.

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