
Lima, caracterizada pelos seus contrastes sociais e económicos, converteu-se em cenário de uma das mais significativas manifestações de solidariedade em períodos de crise: as cozinhas comunitárias. As iniciativas que surgiram como reação à falta de alimentos e ao distanciamento social demonstram a resiliência das comunidades em períodos de dificuldades. Entretanto, de que maneira essas cozinhas, frequentemente estruturadas com recursos escassos, foram capazes não apenas de nutrir milhares de indivíduos, mas também de estabelecer uma rede de suporte emocional e social?
A trajetória das cozinhas comunitárias no Peru remonta às décadas de 1980 e 1990, período em que a nação enfrentava uma severa crise económica e política. Entretanto, foi no período da pandemia de COVID-19 que essas estruturas adquiriram uma nova importância. Devido ao crescimento do desemprego e à interrupção das cadeias de abastecimento, inúmeras famílias encontraram dificuldades para assegurar uma refeição diária. Nesse cenário, as cozinhas comunitárias emergiram como uma resposta coletiva à insegurança alimentar, além de constituírem um espaço de resistência e solidariedade.
A escassez alimentar enquanto impulsionadora da solidariedade.
A fome, frequentemente considerada uma das mais severas manifestações de desigualdade, serviu como força propulsora para a implementação e o crescimento das cozinhas comunitárias em Lima. Essas cozinhas, organizadas por coletivos femininos, operavam como autênticos centros de logística e distribuição de alimentos. E quais os fatores que conferem a essas iniciativas um caráter tão distintivo? Não se limitava apenas à preparação e à distribuição de alimentos; constituía um gesto de resistência diante da indiferença e do abandono do Estado.
Um exemplo emblemático é o distrito de San Juan de Lurigancho, uma das áreas mais densamente povoadas e vulneráveis de Lima. No período da pandemia, as cozinhas comunitárias desta localidade forneceram alimentação diária a centenas de famílias, frequentemente utilizando ingredientes doados por moradores ou obtidos por meio de campanhas de solidariedade. A criatividade era fundamental: com recursos limitados, as mulheres conseguiam converter alimentos simples, como arroz, batatas e legumes, em refeições nutritivas.
Entretanto, a fome não constituía o único adversário. A solidão, acentuada pelo distanciamento social, encontrou nas cozinhas comunitárias um remédio. Esses ambientes converteram-se em pontos de congregação, nos quais todos podiam compartilhar as suas inquietações, trocar narrativas e, primeiro que tudo, perceber que não estavam sozinhos.
Mulheres em posições de liderança
As cozinhas comunitárias de Lima apresentam uma face predominantemente feminina. Com frequência, são as mulheres, muitas vezes responsáveis pela família, que exercem a liderança dessas iniciativas. Entretanto, qual é a razão para as mulheres? Possivelmente, devido ao fato de que, ao longo da história, essas mulheres têm assumido a responsabilidade de sustentar as suas famílias, mesmo em circunstâncias desfavoráveis.
Um exemplo que demonstra essa realidade é o de María, uma mulher de 45 anos residente em Villa El Salvador, outro bairro periférico de Lima. No período da pandemia, María promoveu a criação de uma cozinha comunitária na sua residência, contando com a colaboração de vizinhas. Conjuntamente, lograram fornecer alimentação a mais de 200 pessoas diariamente. María caracteriza a vivência como “exaustiva, mas gratificante”, enfatizando que o principal obstáculo não consistia na escassez de alimentos, mas na incerteza acerca do futuro.
Essas mulheres não apenas preparam alimentos, mas também administram os recursos, organizam turnos e realizam negociações com fornecedores. A habilidade de liderança e organização demonstrada é notável, especialmente se ao levar em conta que muitas delas lidam, ao mesmo tempo, com desafios económicos e obrigações familiares.
Curiosamente, a força dessas mulheres não passou desapercebida. Em diversas situações, grupos de voluntários e organizações não-governamentais associaram-se às cozinhas comunitárias, proporcionando suporte logístico e financeiro. Todavia, a maioria das atividades permaneceu a cargo das próprias comunidades, evidenciando autonomia e resiliência.
Mais do que alimentação: um local de resistência.
As cozinhas comunitárias de Lima representam não apenas uma estratégia para enfrentar a fome, mas também um ícone de resistência. Oposição à desigualdade, à indiferença e à concepção de que as comunidades mais vulneráveis estão destinadas à inatividade.
Um exemplo que demonstra essa resistência é a narrativa de uma cozinha comunitária que, durante a pandemia, resolveu promover uma campanha de conscientização acerca da relevância do uso de máscaras e da imunização.
Outro ponto relevante é a relação entre as cozinhas comunitárias e a cultura regional. Diversas dessas iniciativas procuraram manter receitas tradicionais, empregando ingredientes característicos da culinária peruana. Esse empenho não apenas assegurou pratos mais saborosos, mas também fortaleceu a identidade cultural das comunidades. De fato, a alimentação transcende o mero ato de nutrir-se; ela é sinal de memória, de história e de pertença.
Uma informação que merece atenção é o fato de que algumas cozinhas comunitárias serviram de inspiração para iniciativas similares em outras cidades da América Latina. Na Colômbia e no Equador, emergiram iniciativas fundamentadas no modelo do Peru, evidenciando que a solidariedade transcende fronteiras.