A origem do donut como o conhecemos

Donut coberto de geleia e springles contra fundo negro, em grande plano

Em 1847, Hanson Crockett Gregory, um jovem capitão de navio natural de Clam Cove, no Maine, teria, segundo a tradição oral, inventado o buraco no donut. Esta história, que mistura elementos de engenho, necessidade prática e um toque de mitologia local, tornou-se um dos pilares da narrativa americana sobre a origem deste doce icónico. Gregory, então com apenas 16 anos, era um marinheiro experiente, habituado às longas jornadas marítimas e às refeições improvisadas a bordo.

A lenda conta que, insatisfeito com os bolos fritos que a sua mãe preparava para as viagens – frequentemente crus no centro e demasiado gordurosos nas extremidades –, Gregory decidiu perfurar o centro da massa antes de a fritar. Este gesto simples, mas engenhoso, teria resolvido o problema da cozedura desigual, permitindo que o calor penetrasse uniformemente. Assim, o donut, tal como o conhecemos hoje, teria nascido.

Embora esta história seja amplamente difundida, a sua veracidade é frequentemente questionada. A ausência de registos históricos contemporâneos e a tendência para romantizar figuras locais levantam dúvidas sobre se Gregory foi, de facto, o inventor do buraco no donut ou apenas um dos muitos que contribuíram para a evolução deste doce.

A ideia de criar um buraco no centro de um bolo frito não era, à época, completamente inédita. Culturas de todo o mundo já utilizavam técnicas semelhantes para garantir uma cozedura uniforme em massas densas. No entanto, o que distingue a história de Gregory é a sua associação direta com o donut americano, um produto que, no século XIX, começava a ganhar popularidade nos Estados Unidos.

A narrativa de Gregory reflete, em parte, a mentalidade prática dos marinheiros da época. A bordo de um navio, onde os recursos eram limitados e o tempo precioso, soluções simples e eficazes eram altamente valorizadas. O buraco no donut não só melhorava a textura e o sabor do bolo, como também facilitava o seu transporte e armazenamento. Conta-se que Gregory teria usado o leme do navio para perfurar a massa, criando assim o formato icónico.

A história de Hanson Crockett Gregory foi amplamente divulgada no início do século XX, quando o capitão, já idoso, deu uma entrevista ao Boston Evening Record em 1916. Nessa ocasião, Gregory descreveu o momento em que, inspirado pela necessidade, criou o buraco no donut. A entrevista, repleta de detalhes coloridos e anedotas, ajudou a cimentar a sua reputação como o inventor do donut moderno.

No entanto, a construção deste mito não foi um processo espontâneo. A história de Gregory foi amplificada por uma série de fatores culturais e económicos que moldaram a perceção do donut como um símbolo da engenhosidade americana. Durante a Grande Depressão, por exemplo, o donut tornou-se um alimento acessível e reconfortante, associado à ideia de resiliência e criatividade.

Além disso, a proximidade de Clam Cove a Boston, que mais tarde se tornaria a sede de grandes cadeias de donuts como a Dunkin’ Donuts, contribuiu para a disseminação da história de Gregory. A narrativa do jovem capitão que, com um gesto simples, transformou um bolo comum num ícone nacional encaixava perfeitamente na visão idealizada do espírito empreendedor americano.

Embora muitos historiadores alimentares questionem a autenticidade da história, poucos negam o seu impacto cultural. O buraco no donut tornou-se mais do que uma solução prática; tornou-se um símbolo de inovação e identidade.

Independentemente de Gregory ter ou não inventado o buraco no donut, a sua história destaca a importância das narrativas na construção da memória cultural. O donut, que começou como um simples bolo frito, evoluiu ao longo do tempo para se tornar um dos alimentos mais reconhecidos e consumidos nos Estados Unidos e além.

A introdução do buraco foi apenas um dos muitos passos nesse processo. No início do século XX, a invenção de máquinas de cortar donuts e a popularização de receitas como o “Tendersweet” da Soffron Brothers Clam Company ajudaram a padronizar o formato e a expandir o mercado. Hoje, o donut é um produto global, disponível em inúmeras variações e sabores, mas o buraco permanece como um elemento distintivo e universal.

Literatura recomendada
Mintz, Sidney W., Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History, Penguin Books, 1986.
Pillsbury, Richard, No Foreign Food: The American Diet in Time and Place, Westview Press, 1998.
Smith, Andrew F., Fast Food: The Good, the Bad and the Hungry, Reaktion Books, 2016.

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