A mesa matinal americana

Representação de uma tipica familia americana, dos anos 60 a tomar o pequeno almoço, com a mãe e o pai ao centro e os filhos a ladeá-los

No período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial, a sociedade americana experimentou transformações profundas que alteraram não apenas a sua estrutura económica e política, mas também os seus hábitos alimentares e dinâmicas familiares. A publicidade, enquanto ferramenta de persuasão e modelação de comportamentos, desempenhou um papel fundamental na criação de uma nova visão do pequeno-almoço ideal. As campanhas publicitárias dos anos 50 contribuíram para moldar as expectativas, práticas e valores associados à primeira refeição do dia na América do pós-guerra, estabelecendo padrões que ainda hoje exercem influência na cultura alimentar ocidental.

O pequeno-almoço, historicamente uma refeição simples destinada a quebrar o jejum noturno, sofreu uma metamorfose significativa durante o século XX. Antes da industrialização massiva dos alimentos, a primeira refeição do dia consistia tipicamente em alimentos básicos como papas de aveia, pão e, ocasionalmente, ovos ou carnes curadas. No entanto, o período pós-guerra testemunhou uma revolução na forma como os americanos encaravam esta refeição.

A década de 1950 representou um momento crucial nesta transformação. Com o regresso dos soldados e a expansão económica, a América entrou numa era de prosperidade sem precedentes. As famílias da classe média, agora estabelecidas nos subúrbios em crescimento, tornaram-se o alvo principal das campanhas publicitárias. A mesa do pequeno-almoço transformou-se num palco onde se representavam os valores americanos: abundância, modernidade e uma estrutura familiar tradicional.

As empresas alimentares aproveitaram este contexto para introduzir e promover produtos que prometiam simultaneamente conveniência e nutrição. Os cereais pré-embalados, as misturas para panquecas e os sumos de fruta engarrafados tornaram-se símbolos de um estilo de vida moderno. A década de 1950 experimentou outro boom, na febre dos restaurantes americanos. Estes foram os primeiros estabelecimentos a enfatizar os alimentos do pequeno-almoço e a oferecê-los vinte e quatro horas por dia.

Um aspeto particularmente revelador da publicidade dos anos 50 foi a forma como reforçou papéis de género específicos através das representações do pequeno-almoço. Após a guerra, as mulheres que tinham entrado na força de trabalho para apoiar o esforço bélico foram incentivadas a regressar ao lar. A publicidade alimentar desempenhou um papel crucial neste processo, apresentando a preparação do pequeno-almoço como uma expressão do amor maternal e conjugal.

Os anúncios da época retratavam consistentemente mulheres sorridentes e bem arranjadas, servindo refeições elaboradas às suas famílias. Imagens de mães radiantes, preparando amorosamente uma variedade de alimentos quentes para os seus querubins de cabelos claros, dominavam revistas e jornais na primeira metade do século XX. Estas representações não eram meramente descritivas, mas prescritivas, estabelecendo expectativas sobre o comportamento feminino adequado.

A pressão sobre as mulheres era explícita nos manuais domésticos e livros de culinária da época. Mesmo um século após os primeiros manuais domésticos, os livros de culinária para a dona de casa dos anos 50 continuavam a aconselhar as mulheres a estarem bonitas, brilhantes e amáveis enquanto serviam o pequeno-almoço, ou arriscavam-se a que o marido voltasse a sua deceção para o jornal matinal. O pequeno-almoço era o momento mais importante para a dona de casa ser agradável e equilibrada, para não arruinar o dia inteiro da sua família.

Esta visão do pequeno-almoço como responsabilidade feminina era tão predominante que, quando os homens participavam na preparação da refeição, era tratado como uma ocasião especial. Os pequenos-almoços preparados pelos pais eram tipicamente reservados para os fins de semana, constituindo uma quebra na rotina que permitia às mães rejubilar pela manhã de folga.

A publicidade dos anos 50 não vendia apenas alimentos, mas também uma visão de modernidade e progresso tecnológico. Os eletrodomésticos, que começaram a proliferar nas cozinhas americanas após a eletrificação generalizada, foram apresentados como pequenos servos elétricos que libertavam as donas de casa do trabalho árduo.

As torradeiras elétricas, as máquinas de café e as grelhas de mesa tornaram-se elementos centrais da mesa do pequeno-almoço americano. Estes aparelhos não eram apenas ferramentas práticas, mas símbolos de estatuto e modernidade. Como observado num artigo de 1913 da American Homes and Gardens: “Pense na diversão que se pode ter fazendo torradas à mesa do pequeno-almoço, cada um untando com manteiga os pedaços crocantes e frescos à medida que saem de tal torradeira, em vez de ficar com o rosto vermelho e aquecido sobre o fogão”.

Paralelamente à revolução dos eletrodomésticos, os alimentos processados e pré-preparados transformaram fundamentalmente o pequeno-almoço americano. As misturas para panquecas como a Bisquick e a Aunt Jemima, os cereais de pequeno-almoço como os Wheaties e os Cheerios, e os sumos de fruta engarrafados tornaram-se componentes essenciais da mesa matinal. Estes produtos eram anunciados não apenas pela sua conveniência, mas frequentemente como superiores às alternativas caseiras tradicionais. A Bisquick, por exemplo, prometia audaciosamente nos anos 30 que os filhos diriam que os seus biscoitos são melhores do que os que a sua mãe fazia.

Uma das inovações mais significativas da publicidade alimentar dos anos 50 foi o reconhecimento das crianças como um mercado-alvo distinto. Com a televisão a tornar-se um elemento central nos lares americanos, os anunciantes de cereais de pequeno-almoço descobriram uma oportunidade sem precedentes para comunicar diretamente com os mais jovens.

Os desenhos animados de sábado de manhã tornaram-se o veículo perfeito para a publicidade de cereais açucarados. Uma vez que a televisão se tornou mainstream, os cereais de pequeno-almoço podiam ser anunciados durante os desenhos animados de sábado de manhã, quando as crianças não eram apenas uma audiência cativa, mas uma audiência provavelmente sem supervisão adulta. Esta estratégia de marketing direto às crianças foi descrita pela feminista Betty Friedan como “manipuladora”, mas provou ser extraordinariamente eficaz.

As empresas de cereais desenvolveram mascotes cativantes e personagens de desenhos animados para estabelecer ligações emocionais com as crianças. Em 1958, a mascote dos Frosted Flakes da Kellogg’s, Tony the Tiger, juntou-se a Huckleberry Hound e Snagglepuss, personagens da empresa de animação Hanna-Barbera. Estas personagens tornaram-se ícones culturais, transcendendo o seu papel como ferramentas de marketing.

Além dos mascotes, as empresas de cereais introduziram inovações como as embalagens individuais e os prémios dentro das caixas. A Kellogg’s começou a produzir porções individuais dos cereais favoritos das crianças em pacotes variados, que acabavam com as disputas no supermercado ao eliminar a decisão paralisante sobre qual cereal comprar. Um anúncio da Kellogg’s de 1956 prometia pequenos-almoços escolha-você-mesmo como este dão mais liberdade a todos na família (incluindo a Mãe), juntamente com uma nota para “Mães Modernas” sobre a importância psicológica de permitir que as crianças tomassem decisões que construíssem confiança.

A influência da publicidade estende-se muito além da sua época. As imagens e mensagens que promoveram continuam a moldar as nossas perceções do pequeno-almoço ideal e, por extensão, da vida familiar americana.

O pequeno-almoço completo americano – com ovos, bacon, torradas e sumo de laranja – permanece como um ícone cultural, apesar das mudanças nos hábitos alimentares e nas preocupações nutricionais. Apesar da sua adição relativamente recente ao pequeno-almoço médio, a imagem do copo reluzente de sumo de laranja ao lado de uma tigela de cereais e um prato abundante de bacon, ovos e torradas apresenta uma imagem idealizada da mesa no recanto do pequeno-almoço.

No entanto, as atitudes em relação a estas práticas evoluíram. As preocupações sobre o marketing de alimentos açucarados para crianças levaram a tentativas de regulamentação, incluindo uma tentativa fracassada da Comissão Federal de Comércio dos EUA na década de 1970 para proibir o uso de desenhos animados para direcionar a publicidade às crianças. Estudos contemporâneos continuam a documentar que durante os desenhos animados de sábado de manhã, 27% de todos os anúncios são para cereais de pequeno-almoço, e surpreendentes 90% dos anúncios são para alimentos gordurosos ou açucarados.

Um dos aspetos mais significativos da publicidade do pequeno-almoço dos anos 50 foi a forma como reforçou e, em alguns casos, redefiniu os papéis de género e as dinâmicas familiares no período pós-guerra. Após o conflito mundial, a sociedade americana enfrentou o desafio de reintegrar milhões de soldados na vida civil e reajustar uma economia que tinha sido mobilizada para o esforço de guerra.

Neste contexto, a publicidade alimentar contribuiu para a construção de uma narrativa que enfatizava o regresso a uma suposta normalidade pré-guerra, com homens como provedores e mulheres como cuidadoras do lar. No entanto, esta “normalidade” era em grande parte uma construção idealizada que não correspondia necessariamente à realidade histórica ou às aspirações de muitas mulheres que tinham experimentado a independência económica durante a guerra.

Os anúncios de pequeno-almoço da época apresentavam frequentemente uma visão altamente estilizada da vida familiar americana. O marido, tipicamente retratado de fato e gravata mesmo à mesa do pequeno-almoço, era mostrado a ler o jornal enquanto a esposa, impecavelmente vestida e maquilhada desde as primeiras horas da manhã, servia uma refeição elaborada. Esta imagem não apenas estabelecia expectativas sobre os papéis de género, mas também sobre o próprio ritual do pequeno-almoço como um momento de comunhão familiar antes do dia de trabalho.

Paradoxalmente, enquanto reforçavam estes papéis tradicionais, os anúncios também promoviam produtos que, na prática, alteravam fundamentalmente a natureza do trabalho doméstico. Os alimentos processados e os eletrodomésticos modernos reduziram significativamente o tempo e o esforço necessários para preparar refeições, potencialmente libertando as mulheres para outras atividades. Os eletrodomésticos e os alimentos pré-preparados permitiam à dona de casa do pós-guerra “poupar tempo que pode ser usado de formas mais criativas.

Esta tensão entre o ideal tradicional e a realidade em mudança é exemplificada pela forma como os produtos de conveniência eram comercializados. Por um lado, prometiam libertar as mulheres do trabalho árduo; por outro, sugeriam que esta liberdade deveria ser utilizada para se tornarem melhores esposas e mães. Os anúncios raramente sugeriam que as mulheres poderiam usar o tempo poupado para prosseguir carreiras ou interesses fora do lar.

A publicidade dos anos 50 não apenas refletiu as normas sociais existentes, mas também contribuiu ativamente para a sua construção e manutenção. Ao apresentar repetidamente imagens de famílias “perfeitas” a desfrutar de refeições matinais idílicas, os anunciantes não estavam simplesmente a vender cereais ou torradeiras – estavam a vender uma visão particular da vida americana que, para muitos, se tornou um padrão pelo qual mediam as suas próprias vidas.

Literatura recomendada
Anderson, Heather Arndt. Breakfast: A History. Lanham: Rowman & Littlefield Publishers, 2013.
Levenstein, Harvey. Revolution at the Table: The Transformation of the American Diet. Berkeley: University of California Press, 2003.
Neuhaus, Jessamyn. Manly Meals and Mom’s Home Cooking: Cookbooks and Gender in Modern America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2003.

Artigos relacionados

Deixe um comentário