A mãe como símbolo da publicidade alimentar

Mulher na meia idade a cozinhar, numa cozinha caseira

A década de 1980 marcou uma transformação profunda na forma como os italianos se relacionavam com a comida, não apenas à mesa, mas também através das imagens que lhes eram apresentadas nos ecrãs de televisão. Num período em que a publicidade se tornava omnipresente e as marcas competiam ferozmente pela atenção dos consumidores, a figura da mãe emergiu como um símbolo central na narrativa publicitária. Mais do que uma simples estratégia de marketing, esta representação refletia as tensões e contradições de uma sociedade em rápida mudança, onde a modernidade e a tradição se cruzavam de forma complexa. A mãe, com o seu sorriso caloroso e a promessa de autenticidade, tornou-se a guardiã simbólica da qualidade e da genuinidade dos alimentos, num momento em que a industrialização e a globalização começavam a alterar os hábitos alimentares italianos.

Na Itália dos anos 80, a publicidade alimentar encontrou na figura materna um recurso poderoso para conquistar a confiança dos consumidores. A mãe era apresentada como a autoridade máxima no que dizia respeito à escolha e preparação dos alimentos, uma figura que garantia não apenas o sabor, mas também a segurança e a qualidade dos produtos. Este retrato, cuidadosamente construído, apelava a uma memória coletiva profundamente enraizada na cultura italiana, onde a comida era vista como uma extensão do cuidado e do amor familiar.

As campanhas publicitárias da época exploravam esta imagem de forma quase ritualística. A mãe era frequentemente mostrada na cozinha, um espaço que simbolizava o coração do lar, preparando pratos que evocavam a tradição e a autenticidade. A sua aprovação era essencial, especialmente para produtos novos ou estrangeiros que tentavam conquistar o mercado italiano. Num anúncio amplamente difundido, uma criança pergunta: “O que é maionese, mamma?” A resposta, simples mas carregada de autoridade, era: “Mas tu sabes que é Calvé.” Esta frase encapsulava a ideia de que, para um produto ser aceite, precisava de passar pelo crivo da mãe, a guardiã da genuinidade.

No entanto, esta representação não era apenas uma celebração da figura materna. Era também uma resposta às mudanças sociais e económicas que estavam a redefinir o papel das mulheres na sociedade italiana. Durante as décadas anteriores, muitas mulheres tinham deixado o campo para se tornarem donas de casa urbanas, mas, nos anos 80, um número crescente começava a integrar o mercado de trabalho. A publicidade, ao exaltar a mãe como a figura central da vida doméstica, procurava preservar uma imagem idealizada da família tradicional, mesmo quando a realidade estava a mudar rapidamente.

A exaltação da figura materna na publicidade alimentar dos anos 80 não pode ser dissociada das transformações culturais e económicas que marcaram a Itália nesse período. A crescente industrialização da produção alimentar e a proliferação de produtos processados criaram uma tensão entre a modernidade e a nostalgia. Por um lado, os consumidores eram atraídos pela conveniência e pela inovação; por outro, temiam perder a ligação com as tradições culinárias que definiam a identidade italiana.

A mãe, neste contexto, tornou-se um símbolo de continuidade. Ao apresentar produtos industriais como extensões da cozinha caseira, a publicidade procurava tranquilizar os consumidores, sugerindo que a modernidade não precisava de comprometer a autenticidade. Um exemplo paradigmático foi a promoção de tortellini embalados, que, apesar de serem produzidos em massa, eram apresentados como herdeiros diretos das receitas transmitidas de geração em geração. A mãe, com as suas mãos habilidosas e o seu olhar atento, era a ponte que ligava o passado ao presente, garantindo que os valores tradicionais permaneciam intactos.

No entanto, esta narrativa escondia uma realidade mais complexa. A industrialização da comida estava a transformar profundamente a relação dos italianos com os alimentos. Produtos que antes eram preparados em casa, com ingredientes frescos e locais, começaram a ser substituídos por alternativas embaladas e prontas a consumir. A publicidade, ao romantizar a figura materna, mascarava estas mudanças, apresentando a industrialização como uma evolução natural e até desejável.

A utilização da figura materna na publicidade alimentar dos anos 80 teve um impacto profundo na cultura italiana, moldando não apenas as perceções dos consumidores, mas também as expectativas em relação ao papel das mulheres na sociedade. Ao mesmo tempo que exaltava a mãe como a guardiã da tradição, a publicidade reforçava estereótipos de género, perpetuando a ideia de que a cozinha era o domínio exclusivo das mulheres.

Esta representação, embora eficaz do ponto de vista comercial, ignorava as pressões e os desafios enfrentados pelas mulheres italianas na época. Muitas estavam a equilibrar as responsabilidades domésticas com carreiras profissionais, num contexto em que as estruturas de apoio, como creches e horários de trabalho flexíveis, eram ainda escassas. A imagem idealizada da mãe, sempre sorridente e dedicada, contrastava com a realidade de muitas mulheres, que se viam sobrecarregadas por expectativas irreais.

Por outro lado, a centralidade da figura materna na publicidade alimentar também refletia uma nostalgia por um passado idealizado, em que a comida era vista como uma expressão de amor e cuidado. Esta nostalgia, embora poderosa, era muitas vezes seletiva, ignorando as desigualdades e as dificuldades que marcaram a vida de muitas famílias italianas no passado.

A década de 1980 foi, assim, um período de transição, em que a publicidade alimentar desempenhou um papel crucial na construção de narrativas sobre identidade, tradição e modernidade. A figura da mãe, com a sua aura de autenticidade e confiança, tornou-se o símbolo perfeito para um país que procurava equilibrar o passado e o presente, a tradição e a inovação.

Literatura recomendada
Barthes, Roland, Mythologies, Hill and Wang, 1972.
Counihan, Carole, Around the Tuscan Table: Food, Family, and Gender in Twentieth Century Florence, Routledge, 2004.
Parasecoli, Fabio, Bite Me: Food in Popular Culture, Berg Publishers, 2008.

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