A invenção do brunch


O brunch, essa refeição que habita o espaço temporal entre o pequeno-almoço e o almoço, representa mais do que uma simples fusão gastronómica. É um fenómeno cultural que revolucionou os hábitos alimentares modernos, transformando uma necessidade biológica numa experiência social. A sua origem, evolução e impacto na sociedade contemporânea revelam como as refeições transcendem a mera função nutricional para se tornarem manifestações de identidade, estatuto e valores culturais.

A palavra brunch surgiu pela primeira vez no léxico inglês em 1895, quando o jornalista britânico Guy Beringer publicou um artigo no Hunter’s Weekly. Neste texto visionário, Beringer apresentou uma proposta que alteraria para sempre os hábitos alimentares ocidentais: “Ao eliminar a necessidade de acordar cedo aos domingos, o brunch tornaria a vida mais agradável para os noctívagos de sábado à noite. Promoveria a felicidade humana de outras formas também. O brunch é alegre, sociável e estimulante. Incentiva a conversa. Coloca-nos de bom humor, faz-nos sentir satisfeitos connosco e com os nossos semelhantes, e varre as preocupações e teias de aranha da semana.”

Esta proposta não surgiu num vácuo cultural. O período vitoriano, coincidente com a Segunda Revolução Industrial na segunda metade do século XIX, testemunhou a ascensão da classe média burguesa. O pequeno-almoço, além de se tornar absolutamente necessário para a classe trabalhadora que se dirigia para o turno matinal, proporcionava oportunidades adicionais para a classe média exibir a sua recém-adquirida riqueza.

A nova burguesia trouxe uma certa estrutura sensata, própria da classe trabalhadora, para a vida social quotidiana, permitindo que o arranjo das refeições – incluindo o pequeno-almoço – se estabelecesse mais firmemente. Contudo, havia ainda dinheiro novo para gastar, e os sumptuosos pequenos-almoços de três pratos, compostos por ovos, peixe, produtos de porco curado, cereais quentes, frutas frescas e torradas com manteiga e compota, acompanhados de café e chá, tornaram-se uma forma de os novos-ricos e socialites estabelecidos passarem as horas matinais.

Embora tecnicamente seja uma refeição que ocorre entre os horários do pequeno-almoço e do almoço, o brunch geralmente consistia – e ainda consiste – em alimentos típicos do pequeno-almoço. Sem o trabalho a que atender, mais tempo podia ser dedicado a versões elaboradas de pratos básicos matinais ou outros pratos que exigiam mais tempo de preparação, como os Crêpes Suzettes – coincidentemente inventados no mesmo ano em que a palavra brunch foi cunhada.

O brunch é uma refeição melhor servida aos domingos, o que pode explicar parcialmente por que razão feriados dominicais como o Dia da Mãe são celebrados com um brunch. Embora tenha sido um inglês a cunhar a palavra, o brunch continua a assumir a forma de alta arte nos Estados Unidos, talvez em substituição do louvável Full English da Grã-Bretanha.

A evolução do brunch como fenómeno social está intrinsecamente ligada às mudanças nos padrões de trabalho e lazer. No início do século XIX, os americanos ainda tipicamente desfrutavam apenas de duas refeições por dia: um grande pequeno-almoço por volta das 8h00 e um jantar ao final da tarde. O horário em que se tomava o pequeno-almoço era largamente ditado pela afluência (ou falta dela): pessoas pobres levantavam-se mais cedo para começar imediatamente as suas tarefas e comiam uma ou duas horas depois, enquanto as classes mais abastadas dormiam até mais tarde e desfrutavam de uma manhã tranquila, tomando ambas as refeições mais tarde.

O brunch transcende a sua função alimentar para se tornar um ritual social com profundas implicações culturais. No Sul dos Estados Unidos, particularmente em Nova Orleães, esta refeição assumiu características únicas que refletem a herança cultural da região. Para os comerciantes do Bairro Francês que começavam o seu dia de trabalho muito antes do amanhecer, o pequeno-almoço era tomado relativamente tarde. Pratos de pequeno-almoço crioulos como Ovos Sardou servidos ao lado de pratos da soul food como camarão com grits continuam a ser centrais para a identidade regional.

A dimensão social do brunch é particularmente evidente na sua associação com ocasiões especiais e celebrações. Ao contrário do pequeno-almoço quotidiano, muitas vezes apressado e solitário, o brunch é uma refeição partilhada, destinada a ser desfrutada em companhia. Esta característica torna-o ideal para reuniões familiares, encontros com amigos e celebrações de datas importantes.

Na era contemporânea, o brunch evoluiu para se adaptar às mudanças nos estilos de vida e preferências alimentares. A crescente preocupação com a saúde e bem-estar levou à inclusão de opções mais leves e nutritivas nos menus, enquanto a globalização introduziu influências culinárias de todo o mundo.

Paradoxalmente, enquanto alguns estabelecimentos oferecem versões mais saudáveis e internacionais do brunch, outros apostam na indulgência e no excesso, transformando-o num evento gastronómico extravagante. Esta dualidade reflete as tensões da sociedade contemporânea, dividida entre o desejo de prazer imediato e a preocupação com a saúde a longo prazo.

Tornou-se também um fenómeno mediático, amplamente representado em redes sociais e programas de televisão. Imagens de pratos elaborados inundam plataformas como Instagram e Pinterest, transformando esta refeição num símbolo de estilo de vida desejável e sofisticado.

Como qualquer fenómeno cultural, o brunch está sujeito a modas e tendências. A história demonstrou que, tal como qualquer outra coisa, o pequeno-almoço – e por extensão, o brunch – está sujeito aos caprichos e modas da sociedade. Durante a mania da higiene do final do século XIX, a comida era “científica” quase até ao extremo; os cereais eram anunciados como “pré-digeridos” para soarem modernos e, em última análise, para impulsionar as vendas.

Hoje, com os media alimentares a atingir rapidamente o seu auge, o brunch só pode alcançar novas alturas. A mania do bacon e as imagens quasi pornográficas de gemas de ovo a escorrer lateralmente de uma bolacha de leite, vão juntar-se às fileiras de websites dedicados inteiramente a sobremesas para o pequeno-almoço, à arte e ciência dos hambúrgueres de salsicha veganos, ou a mapas interativos de bicicleta com GPS para os mais populares carrinhos de pequeno-almoço.

O brunch, essa refeição híbrida que desafia as categorias tradicionais, emerge como uma metáfora da sociedade contemporânea – fluida, adaptável e em constante evolução. A sua história revela como as práticas alimentares são moldadas por forças sociais, económicas e culturais, e como, por sua vez, moldam a nossa experiência do mundo.

Ao analisar a invenção e evolução do brunch, compreendemos melhor não apenas a história de uma refeição, mas a história das transformações sociais que definiram os últimos séculos. Longe de ser apenas uma combinação de pequeno-almoço e almoço, representa uma revolução subtil nos nossos hábitos alimentares, uma revolução que continua a influenciar a forma como comemos, socializamos e nos definimos como indivíduos e comunidades.

Literatura recomendada
Anderson, Heather Arndt. (2013). Breakfast: A History. Lanham: Rowman & Littlefield Publishers.
Albala, Ken. (2003). Food in Early Modern Europe. Westport: Greenwood Press.
Spencer, Colin. (2002). British Food: An Extraordinary Thousand Years of History. New York: Columbia University Press.

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