A influência da Contra-Reforma nos jejuns e banquetes

Um jogo de sombras revela uma mesa com pratos e copos dispostos, em primeiro plano a silhueta de uma mulher

A Contra-Reforma, movimento de revitalização da Igreja Católica em resposta à Reforma Protestante, teve um impacto profundo em diversos aspectos da vida europeia, incluindo os hábitos alimentares. Este período, que se estendeu do século XVI ao XVII, não apenas reafirmou a autoridade eclesiástica, mas também influenciou práticas culturais e sociais, como os jejuns e banquetes. A Igreja, ao reforçar a observância de dias de abstinência e jejum, moldou a dieta dos fiéis, promovendo uma ligação entre espiritualidade e alimentação.

Durante a Contra-Reforma, a Igreja Católica enfatizou a importância dos jejuns como forma de penitência e disciplina espiritual. Os jejuns não significavam apenas a redução da quantidade de comida, mas uma abstinência total de carne, vista como símbolo de violência e corporeidade. Esta prática era uma tentativa de purificar o corpo e a alma, alinhando-se com a visão de que a carne representava os prazeres terrenos que afastavam o fiel de Deus.

A dieta monástica, regida pela Regra de São Bento, já havia estabelecido um padrão de abstinência, com refeições simples e sem carne. Durante a Contra-Reforma, essa prática foi reforçada, e a observância dos dias de jejum tornou-se um marcador de devoção religiosa. A ironia reside no fato de que, enquanto a Igreja promovia a simplicidade, a culinária não-carnívora desenvolveu-se em complexidade e sofisticação, criando pratos que imitavam a textura e o sabor da carne sem violar as restrições religiosas.

Os banquetes, por outro lado, eram ocasiões de celebração e comunhão, mas também de demonstração de poder e status. Durante a Contra-Reforma, a Igreja Católica utilizou os banquetes como uma forma de reafirmar a hierarquia social e eclesiástica. As festas religiosas, como o Natal e a Páscoa, eram ocasiões para grandes banquetes, onde a abundância de comida simbolizava a generosidade divina e a prosperidade da fé católica.

No entanto, a Igreja também impôs limites à opulência dos banquetes. A legislação suntuária regulava o número de pratos e a quantidade de comida servida, de acordo com a posição social dos participantes. Esta regulamentação visava evitar excessos e promover a moderação, refletindo a tensão entre a celebração e a penitência que caracterizava a espiritualidade da época.

A mesa tornou-se um espaço de comunhão não apenas com o alimento, mas também com o intelecto e a fé. Inspirados pelos humanistas renascentistas, os banquetes eram vistos como microcosmos da sociedade ideal, onde se forjavam relações sociais e se trocavam ideias de maneira civilizada. A refeição em comum, ou convivium, era uma oportunidade para unir corpo e mente, restaurando o corpo e a mente, como descreveu Marsílio Ficino.

A prática de ler e discutir textos religiosos e filosóficos durante as refeições era comum, transformando o ato de comer em uma experiência intelectual e espiritual. Esta tradição, que remonta aos banquetes gregos e romanos, foi revitalizada durante a Contra-Reforma, reforçando a ligação entre a alimentação e a educação moral e espiritual.

Literatura recomendada
Bynum, Caroline Walker. Holy Feast and Holy Fast: The Religious Significance of Food to Medieval Women. University of California Press, 1987.
Scappi, Bartolomeo. Opera dell’arte del cucinare. Edizioni del Gusto, 1570.
Strong, Roy. Feast: A History of Grand Eating. Harcourt, 2002.

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