A cozinha da guerra civil espanhola


A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e os anos subsequentes até ao início da década de 1950 representaram um período de profunda transformação na gastronomia espanhola. Durante este tempo turbulento, a comida deixou de ser uma expressão cultural para se tornar uma questão de sobrevivência básica. Esta mudança forçada nas práticas culinárias não apenas alterou temporariamente os hábitos alimentares dos espanhóis, mas também deixou marcas duradouras na identidade gastronómica do país.

A divisão territorial durante a Guerra Civil Espanhola criou realidades alimentares drasticamente diferentes. As áreas controladas pelos nacionalistas, como Sevilha e Saragoça, mantiveram um acesso relativamente melhor aos alimentos básicos, particularmente cereais, leguminosas e frutas. Em contraste, as zonas republicanas, especialmente áreas industrializadas como Barcelona, Bilbau e Alicante, enfrentaram uma severa escassez. Esta disparidade resultou de fatores estratégicos: as regiões nacionalistas incluíam muitas das principais áreas agrícolas do país, enquanto as zonas republicanas eram predominantemente industriais, com menor capacidade de produção alimentar.

O isolamento internacional agravou esta situação. Com o início da Segunda Guerra Mundial, as fronteiras europeias fecharam-se, e o comércio transatlântico tornou-se perigoso, afetando gravemente os abastecimentos provenientes de países amigos na América do Sul. Esta situação criou um ambiente onde a criatividade culinária não era uma opção, mas uma necessidade absoluta para a sobrevivência.

O racionamento oficial, introduzido em 14 de maio de 1939, revelou-se insuficiente para atender às necessidades básicas da população. Em 1943, a escassez de alimentos atingiu níveis críticos. O regime de Franco atribuía frequentemente esta situação à seca, mas a verdadeira causa residia no estado precário da agricultura e na transição problemática de uma agricultura liberal para uma regulada entre 1936 e 1954, que reduziu a produção para níveis inferiores aos do período pré-guerra.

O mercado negro, conhecido como “estraperlo”, tornou-se uma instituição paralela onde quase tudo podia ser adquirido por aqueles com meios financeiros. Para a maioria da população, no entanto, a realidade era de privação extrema, especialmente nas grandes cidades. Nas zonas rurais, a situação era ligeiramente melhor, pois as pessoas podiam cultivar vegetais, criar animais pequenos e, ocasionalmente, caçar.

O pão, elemento central da dieta espanhola, transformou-se num símbolo de status e poder. O pão branco tornou-se um artigo de luxo, enquanto o pão negro, feito com grãos de qualidade inferior, alimentava a maioria da população. Esta distinção entre pão branco e negro permaneceu tão profundamente enraizada na memória coletiva que, décadas depois, muitos espanhóis idosos ainda se recusavam a comer pão integral, associando-o aos “anos de fome”.

Em 1940, um livro revolucionário captou a imaginação dos espanhóis desesperados por soluções alimentares. “Cocina de recursos” (Cozinha de Recursos), escrito por Ignasi Domènech, tornou-se um best-seller instantâneo. Este não era apenas um livro de receitas, mas uma crítica velada às políticas intervencionistas de Franco e à sua incapacidade de resolver a crise alimentar.

Domènech apresentou inovações culinárias extraordinárias, como a “tortilla sin huevo de gallina” (omelete sem ovos), utilizando farinha, bicarbonato de sódio, salsa, alho, açafrão (quando disponível), folhas de aipo, água e algumas gotas de azeite. Mais surpreendente ainda era a sua “tortilla de patatas” sem ovos e sem batatas – um substituto engenhoso para um dos pratos mais apreciados da tradição culinária espanhola. Esta criação utilizava casca de laranja, alho, farinha, bicarbonato de sódio, pimenta branca, açafrão-da-índia, azeite e sal.

Estas receitas representavam mais do que simples alternativas alimentares; eram manifestações de resistência e adaptabilidade humana. Ao transformar ingredientes anteriormente descartados ou considerados não comestíveis em refeições aceitáveis, Domènech não apenas alimentou corpos, mas também manteve vivo o espírito da gastronomia espanhola.

A escassez forçou os espanhóis a redescobrirem alimentos tradicionais que tinham sido gradualmente abandonados com a modernização. As “gachas” (papas), conhecidas também como poleadas, puches, farapes e farinetas, alimentaram os espanhóis desde que a cerâmica se tornou disponível na Península Ibérica até bem entrada a década de 1950. Durante os anos de fome, este alimento básico, feito simplesmente com grãos moídos e água, tornou-se novamente central na dieta espanhola.

Outro exemplo foi o “hormigo” (também conhecido como formigo, ormigo e hormiguillo), uma preparação versátil que podia ser adaptada tanto para cozinhas ricas quanto pobres. Na sua forma mais simples, era um tipo de omelete criada com pão, leite ou água, ovos e azeite ou banha, podendo ser salgada ou doce. Durante a crise, versões ainda mais básicas, sem leite ou ovos, tornaram-se comuns.

Paradoxalmente, a crise alimentar ajudou a preservar receitas e técnicas que, de outra forma, poderiam ter sido perdidas na modernização.

Durante os anos de fome, as mulheres espanholas assumiram um papel crucial como guardiãs da sobrevivência familiar. Trabalhando com recursos mínimos, desenvolveram uma extraordinária capacidade de transformar sobras, alimentos silvestres e ingredientes de menor valor em refeições nutritivas.

Estas mulheres não apenas alimentaram suas famílias, mas também transmitiram conhecimentos culinários essenciais para a próxima geração. Técnicas de conservação, métodos para extrair o máximo valor nutricional de ingredientes limitados e estratégias para disfarçar o sabor de alimentos menos apetecíveis tornaram-se parte do repertório culinário transmitido de mãe para filha.

A experiência das mulheres durante este período desafiou e transformou os papéis de género tradicionais na cozinha espanhola. Enquanto a alta cozinha permanecia dominada por homens, a “cozinha de sobrevivência” era o domínio das mulheres, cujas inovações práticas muitas vezes superavam as criações dos chefs profissionais em termos de engenhosidade e eficiência.

A Guerra Civil e os anos subsequentes afetaram profundamente as distintas tradições culinárias regionais da Espanha. As “cocinas de las Autonomías” – as cozinhas das regiões autónomas – sofreram um processo de empobrecimento que alterou temporariamente suas características distintivas.

Em Madrid, pratos substanciais como o “cocido madrileño” (um cozido de carnes e legumes) e os “callos a la madrileña” (tripas à moda de Madrid) mantiveram-se como símbolos de resistência cultural, mesmo quando preparados com ingredientes inferiores. Na Catalunha, a sofisticada cozinha mediterrânica simplificou-se drasticamente, enquanto no País Basco, famoso pelos seus pratos de peixe elaborados, a população voltou-se para opções mais acessíveis como anchovas e sardinhas.

O impacto da Guerra Civil e dos anos de fome na gastronomia espanhola estendeu-se muito além do período imediato de crise. Quando a Espanha finalmente emergiu da escassez na década de 1950, a relação dos espanhóis com a comida havia sido fundamentalmente alterada.

A valorização de ingredientes básicos e a aversão ao desperdício tornaram-se características definidoras da cozinha espanhola moderna. Pratos como o “gazpacho” (sopa fria de vegetais) e o “migas” (migalhas de pão fritas), originalmente criações de necessidade, foram elevados a ícones gastronómicos, servidos em restaurantes sofisticados.

A experiência de escassez também influenciou o desenvolvimento posterior da alta cozinha espanhola. Quando chefs como Ferran Adrià começaram a revolucionar a gastronomia espanhola nas décadas de 1980 e 1990, fizeram-no com um profundo respeito pelos ingredientes básicos e pelas tradições culinárias que haviam sustentado o país durante os tempos difíceis.

Talvez o legado mais significativo deste período tenha sido a resiliência e adaptabilidade que se tornaram características definidoras da abordagem espanhola à comida. A capacidade de transformar ingredientes simples em refeições satisfatórias, de encontrar sabor e nutrição em circunstâncias adversas, e de manter a identidade cultural através da comida – estas lições dos anos de fome continuam a influenciar a gastronomia espanhola até hoje.

Literatura recomendada
Sevilla, María José. “Delicioso: A History of Food in Spain”. Reaktion Books, 2019.
Eslava Galán, Juan. “Los años del miedo: la nueva España, 1939-1952”. Planeta, 2008.
Domènech, Ignasi. “Cocina de recursos: (deseo mi comida)”. Quinteto, 2011 [1940].

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