A arte da mesa no século XVII

grande plano de prato trabalhado com guardanapo de pano e dois copos sobre individual de pano

A arte do vidro, com sua beleza e complexidade, era uma das expressões mais notáveis do artesanato europeu. Em Murano, na Veneza renascentista, os mestres vidreiros criavam peças de uma delicadeza e sofisticação que se tornaram mundialmente famosas, desde cálices ornamentados até lustres de tirar o fôlego. Contudo, em Altare, uma pequena cidade na Ligúria, a produção vidreira seguia um caminho diferente, mas igualmente significativo. Ali, fabricavam-se garrafas e copos em grande quantidade, destinados tanto ao uso cotidiano quanto a mesas mais refinadas. Os mestres vidreiros de Altare, conhecidos por sua habilidade técnica, eram frequentemente contratados por famílias nobres de outros países, especialmente em França. Ao apresentarem copos e taças ricamente decorados aos seus patronos, não apenas recebiam generosas recompensas financeiras, mas, em alguns casos, eram agraciados com cartas de nobreza, um reconhecimento raro para artesãos.

Enquanto isso, outro setor florescia com a transformação dos costumes à mesa: o dos fabricantes de toalhas e guardanapos. Os artesãos da Flandres, pioneiros na produção de tecidos de linho finos e delicados, dominaram esse mercado antes mesmo dos italianos, que mais tarde os imitaram e também se destacaram. Esses produtos, essenciais para a nova etiqueta das refeições, eram exportados para toda a Europa, adornando as mesas das cortes e das famílias abastadas. A crescente atenção aos detalhes na apresentação das refeições não apenas elevou o padrão de sofisticação, mas também gerou fortunas para oleiros, vidreiros, tecelões e, especialmente, ourives.

Os ourives desempenharam um papel central nesse cenário, criando serviços de mesa em prata que se tornaram símbolos de status e poder. Esses conjuntos, compostos por talheres, bandejas, taças e outros utensílios, eram encomendados por nobres e grandes fortunas, que pretendiam exibir a sua riqueza. Um exemplo foi o de Gio Francesco Brignole, um diplomata genovês que, durante sua missão como embaixador em Paris entre 1736 e 1738, contratou Ballin, o principal ourives do rei francês, para criar um serviço completo de mesa em prata. Brignole forneceu a matéria-prima diretamente de Génova, e Ballin, inspirado pelo estilo francês, produziu peças que refletiam o requinte e a elegância da época. Esses serviços não eram apenas funcionais, mas verdadeiras obras de arte, que marcavam a identidade cultural e o prestígio de seus proprietários.

A sofisticação crescente das mesas europeias, no entanto, trouxe consigo novos desafios para a gestão doméstica. As donas de casa, mesmo as mais experientes, não conseguiam supervisionar todos os detalhes de uma refeição elaborada. Muitas vezes, exaustas pela complexidade das tarefas, delegavam responsabilidades aos criados. Jovens de origens humildes eram treinados para dominar a etiqueta e a precisão exigidas no serviço de mesa, aprendendo a organizar talheres, copos e pratos de acordo com as normas da época. Esse treinamento não se limitava ao serviço; o pessoal da cozinha também precisava de formação especializada. Não bastava saber cozinhar: era necessário compreender como liderar uma equipa numerosa e coordenar as operações de uma cozinha que, em muitas casas nobres, funcionava como uma verdadeira máquina organizada.

A revolução nos costumes à mesa não apenas transformou a forma como as refeições eram servidas, mas também impulsionou uma rede de ofícios interligados. Vidreiros, tecelões, oleiros, ourives, criados e cozinheiros desempenharam papéis fundamentais na criação de um novo padrão de sofisticação. Cada peça, cada detalhe, refletia o trabalho árduo e a habilidade de artesãos e trabalhadores que, muitas vezes, permaneciam anônimos. Essa transformação não foi apenas estética, mas também cultural, marcando o início de uma nova era na história das refeições e da convivência social.

A influência francesa, especialmente a partir do século XVIII, consolidou-se como um modelo de elegância e etiqueta em toda a Europa. O serviço “à la française”, com sua disposição simétrica e abundância de pratos servidos simultaneamente, foi gradualmente substituído pelo serviço “à la russe”, que introduziu a prática de servir os pratos em sequência, diretamente da cozinha. Essa mudança, que começou nas cortes e se espalhou pelas classes altas, exigiu ainda mais organização e habilidade por parte dos criados e cozinheiros. A mesa tornou-se um palco onde a riqueza, o gosto e a cultura eram exibidos, e os ofícios que a sustentavam prosperaram como nunca.

Literatura recomendada
Braudel, Fernand, Civilization and Capitalism: 15th-18th Century, Vol. 1: The Structures of Everyday Life, Harper & Row, 1981.
Strong, Roy, Feast: A History of Grand Eating, Harcourt, 2002.
Tannahill, Reay, Food in History, Crown Publishers, 1988.

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