A influência da contracultura na alimentação


A década de 1960 testemunhou o surgimento de um movimento contracultural que questionou profundamente os valores estabelecidos da sociedade ocidental. Entre as várias dimensões desta revolução social, a relação com a alimentação emergiu como um campo de contestação particularmente significativo. O que começou como uma rejeição aos alimentos industrializados por parte de um pequeno grupo de ativistas transformou-se num fenómeno global que redefiniu a nossa compreensão sobre o que comemos, como produzimos os alimentos e qual o impacto das nossas escolhas alimentares no planeta e na sociedade.

A contracultura alimentar que emergiu nos anos 1960 e 1970 não surgiu num vácuo histórico. Tal como o movimento contracultural do século XIX, que reagiu contra a industrialização e a urbanização acelerada, o movimento dos anos 1960 representou uma resposta crítica à crescente industrialização e artificialização da alimentação no período pós-Segunda Guerra Mundial.

O período pós-guerra caracterizou-se por uma explosão de alimentos processados, conservantes artificiais e aditivos químicos. As empresas alimentares promoviam produtos que simbolizavam modernidade, conveniência e progresso tecnológico. Contudo, esta transformação radical na forma como os alimentos eram produzidos e consumidos gerou uma reação crítica por parte de indivíduos preocupados com questões de saúde, ambiente e justiça social.

A publicação de “Silent Spring” (Primavera Silenciosa) por Rachel Carson em 1962 constituiu um momento decisivo neste processo. A obra alertou para os perigos dos pesticidas e fertilizantes químicos, não apenas para a saúde humana, mas também para os ecossistemas. Esta mensagem ressoou profundamente entre os jovens da contracultura, que começavam a questionar a narrativa dominante de que o progresso tecnológico era intrinsecamente benéfico.

A filosofia alimentar da contracultura baseava-se numa crítica multidimensional ao sistema alimentar industrial. Não se tratava apenas de uma preocupação com a saúde individual, mas de uma visão holística que interligava alimentação, ambiente, política e ética. Esta abordagem encontra paralelos históricos no pensamento de Jean-Jacques Rousseau, cujo culto da natureza e crítica à artificialidade influenciou movimentos alimentares anteriores.

O movimento de alimentação natural dos anos 1960 e 1970 distinguiu-se do seu antecessor do século XIX por emergir não entre as elites abastadas, mas como parte de uma ampla rebelião contracultural que incluía hippies, amor livre, música psicodélica e protestos antiguerra. Os seus proponentes rejeitavam fundamentalmente o modo de vida americano convencional, incluindo e especialmente a sua alimentação, frequentemente com uma dimensão política explícita.

Durante este período, muitos acreditavam que a alimentação típica ocidental era prejudicial à saúde, que as práticas agrícolas poluíam o planeta e que os alimentos produzidos em massa e tecnologicamente manipulados eram esteticamente empobrecidos. Procuravam alimentos mais simples, frequentemente vegetarianos, e valorizavam produtos locais, cultivados de forma sustentável, sazonais e preparados manualmente para serem partilhados, por vezes em comunidade. Acreditavam também no valor de dedicar tempo à preparação de alimentos para outras pessoas.

Frances Moore Lappé, articulou um argumento que ecoava o pensamento do antigo romano Plutarco, mas em termos mais explícitos: considerando o crescimento populacional contínuo, o consumo de carne representa uma utilização ineficiente da terra, pois são necessários vários hectares para sustentar uma vaca, enquanto a mesma área plantada com cereais fornece muitas mais calorias. Uma dieta vegetariana poderia alimentar mais pessoas, apresentando-se como uma solução para a fome global.

O movimento de alimentação natural também se inspirou em práticas alimentares tradicionais de povos não-europeus. Paradoxalmente, pessoas fora do círculo restrito da contracultura começaram a interessar-se por estes alimentos, frequentando lojas de produtos naturais pelos mesmos motivos que os hippies: receio dos alimentos processados e artificiais.

Este interesse crescente não passou despercebido à indústria alimentar. Onde havia dinheiro a ganhar, surgiram grandes investimentos, e os principais fabricantes de alimentos começaram a vender as suas próprias versões (produzidas em massa) de pão pita, tofu, manteiga de amendoim pura, iogurte e pão integral. Estes alimentos tornaram-se mainstream.

As próprias lojas de produtos naturais transformaram-se. Em vez de venderem produtos frescos e alimentos produzidos localmente, passaram a oferecer cada vez mais produtos embalados. Tornaram-se praticamente indistinguíveis dos produtos da indústria alimentar, exceto por terem geralmente menos gordura, utilizarem apenas ingredientes naturais ou serem especificamente vegetarianos. No entanto, continuavam a ser altamente processados e controlados por grandes empresas. Consequentemente, a dimensão de consciência social do movimento de alimentação natural foi relegada para segundo plano.

Enquanto a contracultura promovia o seu ideal alimentar, crescia simultaneamente nos Estados Unidos um vibrante interesse pela culinária. Inicialmente, foi a cozinha francesa que cativou os americanos de classe média – não a sofisticada haute cuisine dos grandes restaurantes do século XIX, mas uma cozinha francesa mais simples e rústica, baseada no campo.

Julia Child, com o seu primeiro livro de receitas, “Mastering the Art of French Cooking”, e depois na televisão desde os anos 1960 até à sua morte em 2004, ensinou técnicas culinárias básicas que deram às pessoas a confiança para preparar refeições honestas a partir de ingredientes básicos. Era comida francesa, mas definitivamente não haute cuisine. Surgiram também revistas culinárias como a Gourmet e a Bon Appétit.

Cozinhar e receber convidados tornou-se uma atividade sofisticada, um passatempo e algo a desfrutar, em vez de uma tarefa doméstica penosa. O interesse em cozinhar a partir de ingredientes básicos representava um confronto direto com os alimentos produzidos em massa. Verificou-se também um renovado interesse em comer fora, em todos os níveis de preço.

Juntamente com uma avalanche de livros de culinária e programas de televisão que inundaram o mercado, especialmente nos anos 1970, surgiu um novo interesse por cozinhas “étnicas”. Coumeçou-se a cozinhar e experimentar alimentos que nunca se teria sonhado comer nas décadas anteriores. Diversas cozinhas exóticas – incluindo a indiana, japonesa, marroquina e tailandesa – tornaram-se populares.

Na sua maioria, estas cozinhas exigiam ingredientes frescos. Em vez de utilizarem misturas de caril ou de chili pré-preparadas, as pessoas queriam ser mais autênticas, fazendo garam masala verdadeiro ou utilizando chilis frescos. Por outras palavras, no esforço de serem autênticas e prepararem estes pratos o mais próximo possível da forma como são feitos em restaurantes ou no estrangeiro, as pessoas foram forçadas a descobrir novos ingredientes frescos como coentros, folhas de lima kaffir, banana-pão e goiaba.

Relacionada com estes desenvolvimentos estava uma campanha pela cerveja autêntica e o surgimento de microcervejarias. As pessoas perceberam que a cerveja produzida em massa carecia de caráter e tinha pouca relação com as cervejas importadas da Europa, que apresentavam notas profundas de malte, lúpulo revigorante, notas de levedura e verdadeiro sabor local. Começaram a surgir microcervejarias, e começou-se a perceber as diferenças subtis entre os tipos de cerveja e ale.

Tudo isso começou a mudar quando algumas empresas viram grandes lucros no horizonte. Tal como aconteceu com o movimento de alimentação natural, algumas empresas venderam-se completamente, seja alterando o seu produto para que pudesse ser produzido em massa, seja alugando espaço em cervejarias maiores para aumentar a escala. Pior ainda do que vender-se foi o facto de os grandes cervejeiros começarem a vender as suas próprias imitações baratas, geralmente apenas a sua cerveja regular colorida com xarope castanho.

Um desenvolvimento paralelo, análogo ao que aconteceu com a cerveja, também ocorreu no mundo da produção de queijo. Em reação ao “alimento de queijo processado pasteurizado” produzido em massa e borrachudo, algumas pequenas queijarias começaram a experimentar novos tipos de queijo. Começaram com queijo de cabra, porque é muito fácil de fazer. Em breve, surgiram todo o tipo de outros produtores de queijo, fazendo excelentes queijos azuis e cheddars envelhecidos.

Paralelamente a estes desenvolvimentos, surgiu um movimento chamado Slow Food, fundado em 1989 pelo italiano Carlo Petrini, em reação à abertura de um McDonald’s ao pé das escadarias espanholas em Roma. Começou em grande parte como um movimento gastronómico – para levar as pessoas a abrandar e desfrutar dos prazeres da mesa em boa companhia e também para manter vivas as tradições regionais face à globalização. Mais recentemente, começaram a promover práticas de comércio justo e gestão ambiental.

Outro desenvolvimento muito encorajador é o crescimento dos mercados de agricultores, que não só oferecem contacto humano com os produtores, mas também colocam os lucros diretamente nas mãos da pessoa que cultiva os alimentos. Esta é a única forma de os pequenos agricultores sobreviverem e a única forma de os consumidores terem algum controlo sobre o que compram.

Nos últimos anos, tem crescido o que se conhece como locavorismo – a ideia de que se deve obter alimentos apenas num determinado raio de quilómetros (para reduzir os custos de transporte e obter alimentos mais frescos). Optar pelo local significaria voltar a uma maior sazonalidade e poderia significar comer menos de alguns tipos de alimentos que não crescem em certas regiões, incluindo café, chocolate e citrinos. Definitivamente causaria mudanças nas nossas dietas, provavelmente para melhor a longo prazo.

A transformação da contracultura alimentar dos anos 1960 para o movimento foodie contemporâneo ilustra como ideias inicialmente radicais podem ser simultaneamente absorvidas pelo mainstream e manter o seu potencial transformador. Os foodies de hoje, com a sua obsessão pela autenticidade, qualidade e experiência gastronómica, são herdeiros diretos dos hippies que questionavam a industrialização alimentar.

O termo foodie surgiu na década de 1980 para descrever pessoas com um interesse apaixonado por comida de qualidade e experiências gastronómicas. Embora frequentemente associado a um certo elitismo e consumismo, o movimento foodie também incorporou muitas das preocupações éticas e ambientais da contracultura. A valorização de ingredientes locais, sazonais e orgânicos, a preocupação com o bem-estar animal e o interesse por técnicas tradicionais de preparação de alimentos são todos elementos que ligam os foodies contemporâneos aos seus antecessores contraculturais.

A diferença fundamental reside talvez na abordagem: enquanto os hippies viam a alimentação principalmente como uma ferramenta de transformação social e política, os foodies tendem a enfatizar a dimensão estética e experiencial da comida. No entanto, esta aparente despolitização é enganadora. Através das suas escolhas de consumo, os foodies contemporâneos continuam a desafiar o sistema alimentar industrial, apoiando produtores locais, valorizando a diversidade biológica e cultural, e promovendo práticas alimentares mais sustentáveis.

O movimento Slow Food exemplifica esta evolução. Começando como uma reação à homogeneização representada pelo McDonald’s, evoluiu para uma organização internacional que defende a biodiversidade, a educação alimentar e a preservação de tradições culinárias. A sua abordagem combina o prazer gastronómico com a consciência ética, demonstrando que a apreciação sensorial da comida pode coexistir com – e até reforçar – uma postura crítica em relação ao sistema alimentar dominante.

A ironia desta evolução é que, enquanto os hippies rejeitavam explicitamente o capitalismo de consumo, os foodies operam largamente dentro dele, utilizando o mercado como meio de expressão dos seus valores. Esta tensão entre resistência e cooptação caracteriza a história da contracultura alimentar, desde os seus primórdios até à atualidade.

Literatura recomendada
Belasco, Warren. “Appetite for Change: How the Counterculture Took on the Food Industry, 1966-1988”. Cornell University Press, 2007.
Johnston, Josée e Bauman, Shyon. “Foodies: Democracy and Distinction in the Gourmet Foodscape”. Routledge, 2010.
Petrini, Carlo. “Slow Food: The Case for Taste”. Columbia University Press, 2003.

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