Arquéstrato e a odisseia gastronómica

figura vestida com manto branco caminha de costas num caminho de terra que atravessa um campo verdejante, ao fundo um rio serpenteia num vale largo ladeado por montanhas

Arquéstrato, um poeta grego do século IV a.C., é frequentemente descrito como um pioneiro da gastronomia, um viajante incansável que percorreu terras e mares em busca dos melhores ingredientes e das mais requintadas receitas. A sua obra, intitulada Hedypatheia (ou A Vida de Luxo), é um testemunho poético da sua dedicação à arte culinária e à celebração dos prazeres da mesa. Este poema, que sobrevive apenas em fragmentos citados por autores posteriores, como Ateneu, oferece um vislumbre único da relação entre a cultura alimentar e a identidade mediterrânica na Antiguidade.

Arquéstrato não era apenas um poeta, mas também um explorador gastronómico. A sua abordagem era radical para a época: em vez de se limitar a descrever os alimentos disponíveis na sua terra natal, Gela, na Sicília, decidiu viajar por todo o mundo grego e além, catalogando os melhores produtos e técnicas culinárias. Este método, que combinava observação direta e experiência prática, conferiu à sua obra uma autenticidade rara.

As suas viagens levaram-no a cidades costeiras da Grécia, colónias no sul de Itália, regiões da Ásia Menor e até às margens do Mar Negro. Cada local visitado era uma oportunidade para descobrir ingredientes únicos e aprender com as tradições locais. Por exemplo, em Torone, uma cidade na Macedónia, Arquéstrato recomendava o consumo do ventre do tubarão, que deveria ser temperado com cominhos e cozinhado com azeite. Este tipo de detalhe não só revela o seu conhecimento técnico, mas também a sua sensibilidade para os sabores e texturas.

A sua obra não era apenas um guia prático, mas também uma crítica cultural. Rejeitava o provincianismo culinário e defendia uma visão cosmopolita da alimentação. Para ele, a qualidade dos ingredientes era mais importante do que a sua origem, e a simplicidade na preparação era preferível à ostentação. Esta filosofia, que pode parecer moderna, era uma reação ao gosto excessivo por pratos elaborados que começavam a emergir entre as elites gregas.

A escolha de escrever sobre comida em forma de poesia épica não foi acidental. Através do verso, ele elevou a gastronomia ao nível das artes maiores, colocando-a ao lado da música, da pintura e da literatura. A sua obra, escrita em hexâmetros, o mesmo estilo utilizado por Homero, parodiava os épicos tradicionais, substituindo heróis e batalhas por peixes e especiarias.

Este uso da poesia como meio de expressão permitiu-lhe transmitir não só informações práticas, mas também emoções e valores. Descrevia os alimentos com uma linguagem rica e evocativa, capturando a essência dos sabores e a beleza dos ingredientes. Por exemplo, ao falar do peixe, ele não se limitava a indicar o local onde era mais fresco, mas também a forma como deveria ser cozinhado para preservar a sua pureza.

Através da sua poesia, também criticava os excessos da sua época. Ridicularizava aqueles que adulteravam os alimentos com molhos pesados ou que se preocupavam mais com a aparência do prato do que com o seu sabor. Para ele, a verdadeira arte culinária residia na capacidade de realçar as qualidades naturais dos ingredientes, sem os mascarar.

Embora a Hedypatheia tenha chegado até nós apenas em fragmentos, a sua influência é inegável. Ateneu, um autor do século II d.C., preservou partes significativas da obra de Arquéstrato no seu Deipnosophistae (Os Filósofos à Mesa), um compêndio de conversas sobre comida, cultura e literatura. Através de Ateneu, sabemos que Archestratus não só descrevia os alimentos, mas também oferecia conselhos sobre onde encontrá-los e como prepará-los.

O impacto de Archestratus estende-se para além da literatura. A sua visão da gastronomia como uma arte baseada na simplicidade e na qualidade continua a ressoar na cozinha mediterrânica contemporânea. Ingredientes como azeite, ervas frescas e peixe continuam a ser os pilares desta tradição, refletindo os princípios defendidos pelo poeta.

Além disso, a abordagem à alimentação como uma experiência cultural e sensorial antecipou muitas das ideias que hoje associamos à gastronomia moderna. Ele entendia que a comida não era apenas uma necessidade, mas também uma forma de expressão e um meio de conexão entre pessoas e culturas.

Também desempenhou um papel crucial na preservação e transmissão do conhecimento culinário. Ao documentar as tradições alimentares de diferentes regiões, ele ajudou a criar um registo que, embora fragmentado, oferece uma janela para o mundo gastronómico da Antiguidade. Este esforço de catalogação é comparável ao trabalho de um etnógrafo, que busca compreender e preservar as práticas culturais de uma sociedade.

A sua obra também destaca a importância do comércio e da troca cultural na formação da cozinha mediterrânica. Ingredientes como o cominho, o azeite e o vinho, que aparecem frequentemente na Hedypatheia, eram produtos de redes comerciais que ligavam diferentes partes do mundo antigo. Ao celebrar estes ingredientes, Arquéstrato reconhecia o papel da interação cultural na criação de uma gastronomia rica e diversificada.

A história de Arquéstrato é, em última análise, uma celebração da curiosidade e da paixão pela descoberta. As suas viagens e a sua poesia lembram-nos que a comida é mais do que sustento; é uma forma de arte, uma expressão de identidade e um elo entre culturas. Através da sua obra, convida-nos a explorar o mundo com os sentidos abertos e a valorizar a beleza e a simplicidade dos alimentos que nos unem.

Literatura recomendada
Ateneu, Deipnosophistae (Os Filósofos à Mesa), Loeb Classical Library, 1927.
Dalby, Andrew, Siren Feasts: A History of Food and Gastronomy in Greece, Routledge, 1996.
Wilkins, John, Food in the Ancient World, Blackwell Publishing, 2006.

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