
A cozinha de al-Andalus, que floresceu durante os séculos de domínio muçulmano na Península Ibérica, é frequentemente celebrada pela sua sofisticação e diversidade. Contudo, a sua riqueza não pode ser compreendida sem reconhecer a profunda influência da cultura Amazigh, um dos pilares fundamentais na formação da identidade culinária andaluza. Os Amazigh, também conhecidos como berberes, trouxeram consigo uma herança cultural que se entrelaçou com as tradições árabes, judaicas e cristãs, criando uma cozinha que transcendeu fronteiras e épocas.
A presença Amazigh em al-Andalus não se limitou a uma mera coexistência. Estes povos, originários do Norte de África, desempenharam um papel crucial na introdução de técnicas agrícolas, ingredientes e práticas culinárias que moldaram a gastronomia da região. A sua ligação íntima com a terra e o conhecimento profundo das condições climáticas e dos recursos naturais permitiram-lhes adaptar-se e enriquecer a dieta local.
Entre os contributos mais notáveis está a introdução de métodos de conservação de alimentos, como a secagem e a cura, que eram essenciais para a sobrevivência em climas áridos. Estes métodos, amplamente utilizados pelos Amazigh, foram incorporados na cozinha andaluza, permitindo a preservação de carnes, peixes e frutas. A técnica de salgar e secar atum, conhecida como “mushammaʿ” e que deu origem à famosa “mojama” espanhola, é um exemplo claro desta herança.
Pratos emblemáticos e a marca Amazigh
A influência Amazigh também se reflete em pratos emblemáticos que sobreviveram ao tempo e continuam a ser apreciados em várias regiões do Mediterrâneo. Um exemplo paradigmático é o prato conhecido como “ṣinhājī”, mencionado no manuscrito de Ibn Razīn al-Tujībī, um dos mais importantes registos da cozinha andaluza. Este prato, que leva o nome da tribo Amazigh Ṣinhāja, combina uma variedade de carnes, vegetais e especiarias, simbolizando a riqueza e a complexidade da cozinha de al-Andalus.
A preparação do “ṣinhājī” revela a sofisticação culinária herdada dos Amazigh. A utilização de grandes recipientes de barro vidrado, como o “ṭājin”, para cozinhar lentamente os ingredientes, demonstra a importância da técnica e da paciência na criação de sabores profundos e harmoniosos. Este método, que ainda hoje é amplamente utilizado na cozinha marroquina, reflete a continuidade de práticas Amazigh que atravessaram séculos.
Além disso, a combinação de ingredientes doces e salgados, característica de muitos pratos andalusinos, tem raízes na tradição Amazigh. A inclusão de frutas como maçãs, marmelos e tâmaras em pratos de carne, bem como o uso de mel e especiarias como canela e gengibre, evidencia uma abordagem culinária que valoriza o equilíbrio entre sabores contrastantes.
A agricultura e os sabores da terra
A contribuição Amazigh para a cozinha de al-Andalus não se limitou à preparação de pratos. A sua experiência agrícola foi determinante para a introdução e adaptação de culturas que se tornaram essenciais na dieta andaluza. Os Amazigh trouxeram consigo conhecimentos sobre o cultivo de cereais, como o trigo e a cevada, bem como de leguminosas, como grão-de-bico e lentilhas, que formaram a base de muitos pratos tradicionais.
A introdução de sistemas de irrigação, como as noras e os canais, permitiu a expansão da agricultura em al-Andalus, garantindo colheitas abundantes e diversificadas. Este avanço tecnológico, associado ao conhecimento Amazigh, transformou a paisagem agrícola da Península Ibérica, tornando-a uma das regiões mais produtivas do mundo medieval.
Os Amazigh também desempenharam um papel crucial na disseminação de especiarias e ervas aromáticas, como o cominho, o coentro e o açafrão, que se tornaram indispensáveis na cozinha andaluza. Estas especiarias não só enriqueceram os sabores dos pratos, mas também refletiram a ligação entre a Península Ibérica e o mundo islâmico mais amplo, do qual os Amazigh eram intermediários naturais.