
Durante os séculos XVII e XVIII, o escorbuto era uma das maiores ameaças à saúde dos marinheiros em longas viagens marítimas. Esta doença, caracterizada por sintomas como hemorragias, fraqueza extrema, perda de dentes e, em casos graves, morte, era amplamente reconhecida, mas a sua causa permanecia um mistério. A Marinha Real Britânica, enfrentando perdas significativas de tripulação devido a esta condição, desenvolveu uma série de estratégias para mitigar os seus efeitos, mesmo sem compreender a verdadeira origem do problema.
A teoria predominante na época baseava-se na ideia de que o escorbuto era causado por um desequilíbrio no corpo, muitas vezes descrito como “putrefação do sangue”. Este conceito, enraizado na doutrina dos quatro humores de Hipócrates e Galeno, influenciava as práticas médicas e alimentares. Assim, acreditava-se que alimentos ácidos ou fermentados poderiam combater a putrefação, o que levou à introdução de várias substâncias na dieta dos marinheiros. Entre estas, destacavam-se o vinagre e o “elixir de vitríolo” (ácido sulfúrico diluído), que eram administrados como remédios preventivos, embora com eficácia limitada.
A importância da alimentação e as primeiras experiências
A dieta dos marinheiros britânicos era composta principalmente por alimentos duráveis, como carne salgada, biscoitos duros e ervilhas secas. Estes produtos, embora práticos para armazenamento em longas viagens, eram nutricionalmente deficientes, especialmente em vitaminas essenciais. A ausência de alimentos frescos era um fator determinante para o desenvolvimento do escorbuto. No entanto, a Marinha começou a experimentar alternativas que pudessem melhorar a saúde das tripulações.
Uma das primeiras medidas foi a introdução de alimentos fermentados, como o chucrute, que o Capitão James Cook utilizou com sucesso nas suas expedições. Cook, conhecido pela sua abordagem inovadora, insistia que os seus homens consumissem chucrute regularmente, acreditando que o seu sabor ácido ajudava a prevenir a doença. Embora o chucrute contivesse pequenas quantidades de vitamina C, o seu impacto era limitado, mas a prática demonstrava uma crescente preocupação com a saúde dos marinheiros.
Outra tentativa envolvia o uso de “wort”, um concentrado de cerveja não fermentada, que se acreditava conter propriedades antiescorbúticas. Este produto era misturado com água para criar uma bebida que, segundo alguns relatos, ajudava a aliviar os sintomas do escorbuto. No entanto, a eficácia do “wort” era questionável, e muitos marinheiros rejeitavam-no devido ao seu sabor desagradável.
A introdução de frutas cítricas e as experiências médicas
A verdadeira revolução no combate ao escorbuto começou com os experimentos conduzidos por médicos da Marinha, como James Lind. Em 1747, Lind realizou um dos primeiros ensaios clínicos documentados, dividindo marinheiros com escorbuto em grupos e administrando diferentes tratamentos. Entre os remédios testados, o consumo de laranjas e limões revelou-se o mais eficaz, com uma recuperação notável dos doentes em poucos dias. Apesar do sucesso, as conclusões de Lind não foram imediatamente adotadas pela Marinha, devido ao custo elevado das frutas cítricas e à resistência de alguns oficiais em aceitar novas práticas.
Ainda assim, a ideia de que os alimentos frescos, especialmente frutas e vegetais, poderiam prevenir o escorbuto começou a ganhar força. Nelson, por exemplo, era um defensor fervoroso do consumo de cebolas, que, embora menos eficazes do que os citrinos, continham pequenas quantidades de vitamina C. Ele ordenava a compra de grandes quantidades de cebolas sempre que possível, acreditando que estas ajudavam a manter a saúde da tripulação.
Além disso, a Marinha incentivava a prática de cultivar vegetais a bordo. Marinheiros eram encorajados a plantar agrião em panos húmidos ou em pequenos recipientes com terra, criando uma fonte limitada, mas valiosa, de nutrientes frescos. Esta prática, embora rudimentar, demonstrava uma crescente consciência da importância de alimentos frescos na dieta naval.
A institucionalização de medidas preventivas
No final do século XVIII, a pressão para encontrar soluções eficazes levou a Marinha Real a adotar medidas mais sistemáticas. Em 1795, a distribuição de sumo de limão tornou-se obrigatória em algumas frotas, especialmente aquelas envolvidas no bloqueio de Brest durante as Guerras Napoleónicas. O sumo era misturado com rum ou água para criar uma bebida que os marinheiros consumiam diariamente. Esta prática, embora inicialmente limitada a certas esquadras, marcou um ponto de viragem na luta contra o escorbuto.
A introdução do sumo de limão foi facilitada por figuras influentes, como Sir Gilbert Blane, membro da Comissão para Marinheiros Doentes e Feridos. Blane defendia vigorosamente o uso de citrinos, argumentando que a sua acidez era essencial para prevenir a doença. Embora a ciência por detrás desta prática ainda não fosse compreendida, os resultados práticos eram inegáveis. A incidência de escorbuto diminuiu drasticamente nas frotas que adotaram o sumo de limão, consolidando a sua reputação como um antiescorbútico eficaz.
No entanto, a implementação destas medidas não foi uniforme. Em algumas frotas, os cirurgiões tinham liberdade para decidir quando e como administrar o sumo de limão, o que resultava em variações na eficácia do tratamento. Além disso, a qualidade do sumo era frequentemente comprometida pelo armazenamento inadequado, que reduzia o seu teor de vitamina C. Apesar destas limitações, a introdução de citrinos representava um avanço significativo na prevenção do escorbuto.
A transição para práticas modernas
Embora a descoberta da vitamina C e o seu papel no escorbuto só tenham sido plenamente compreendidos no século XX, as práticas desenvolvidas pela Marinha Real Britânica no século XVIII estabeleceram as bases para a prevenção desta doença. A combinação de experimentação, inovação e pragmatismo permitiu à Marinha reduzir significativamente as perdas humanas causadas pelo escorbuto, garantindo a eficácia das suas operações navais.